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A Bifurcação da Lei: PLP 125/2022 - Da burocracia à inclusão, do crime bilionário ao cerco legal


Por Silvio da Costa Bringel Batista

09/12/2025 9h34 — em
Silvio da Costa Bringel Batista



Por Silvio da Costa Bringel Batista*

O Brasil vive um momento crucial onde a legislação tributária busca, simultaneamente, simplificar a vida do contribuinte probo e fechar o cerco contra a alta criminalidade financeira. 

Nesse contexto, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022, proposto pelo Senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e relatado no Senado pelo Senador Efraim Filho (União-PB), traduz-se em uma oportunidade histórica de mudança e modernização.

Aprovado por unanimidade no Senado, o projeto tramita agora na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do Deputado Federal Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), com a missão de corrigir uma distorção legal que afeta milhares de profissionais liberais e suas sociedades.

1. A Oportunidade de Mudança: O Fim da Barreira da Sociedade Simples

O objetivo central do PLP 125/2022 é alterar o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar 123/2006) para facilitar a transformação de sociedades de natureza Simples para sociedades de natureza Empresária.

Atualmente, muitas Sociedades Simples (como clínicas médicas e consultórios de arquitetura), que exercem profissões de caráter intelectual sem o elemento de empresa, ficam impedidas de acessar o Simples Nacional, um regime tributário unificado e mais favorável.

A legislação vigente exige que a Sociedade Simples que deseja se enquadrar no Simples Nacional passe por um processo custoso e ineficiente de extinção do seu CNPJ original e posterior constituição de uma nova Sociedade Empresária. O PLP, contudo, incluirá na Lei Complementar 123/2006 a possibilidade expressa e simplificada de essa sociedade transformar seu registro na Junta Comercial.
Benefícios da Transformação Simplificada:

• Inclusão Tributária: Acesso direto ao Simples Nacional, aliviando a carga fiscal.
• Segurança Jurídica: Preservação do CNPJ, do histórico contratual e do nome empresarial, evitando a quebra de contratos e custos de dissolução.
• Desburocratização: Eliminação do processo oneroso de extinção e abertura.

O projeto, conforme os argumentos que embasaram sua aprovação no Senado, reconhece que a desburocratização para o bom contribuinte é um instrumento de política econômica que incentiva a formalização, o crescimento e o reinvestimento.

2. O Contraste: Desburocratização Lícita vs. Sofisticação Criminosa (Poço de Lobato)

A relevância do PLP 125/2022 é amplificada quando confrontada com o cenário de crime financeiro de alta complexidade, como o revelado pela Operação Poço de Lobato. Essa operação, desencadeada no final de novembro, investigou um esquema de sonegação e lavagem de dinheiro que teria movimentado mais de R$ 70 bilhões em apenas um ano.

Enquanto o PLP 125/2022 luta para que o empreendedor honesto possa se adequar a um regime tributário mais simples, os criminosos envolvidos na Poço de Lobato utilizavam estruturas sofisticadas - como as offshores e a rede de 17 fundos com R$ 8 bilhões em patrimônio líquido - para blindar ativos e garantir o anonimato na movimentação de dinheiro ilícito.

O PLP também prevê a concessão dos “Selos de Conformidade Tributária e Aduaneira (SCTA)” que compreendem adesão aos Programas Confia, Sintonia ou OEA, gerando benefícios como o bônus de adimplência fiscal (desconto na CSLL) nos dois primeiros casos.

O texto estabelece que a Lei Complementar fixa normas gerais de observância obrigatória por todos os entes federativos (art. 2º). Define, no art. 3º, que a Administração Tributária deve atuar segundo os princípios da segurança jurídica, boa-fé e redução da litigiosidade, presumindo a boa-fé do contribuinte.

Como resposta inteligente, o PLP 125/2022 visa instituir o Código de Defesa do Contribuinte e traz a resposta a esse problema de dois gumes:

1. Recompensa ao Lícito: Facilita a vida do contribuinte probo com a transformação simplificada e o Sistema de Classificação de Conformidade Fiscal.
2. Repressão ao Ilícito: Institui medidas mais duras contra o devedor contumaz (que usa a sonegação como modelo de negócios), como a suspensão do CNPJ e o impedimento de participação em licitações públicas.

O PLP estabelece um conjunto claro de direitos, garantias e deveres nas relações com o Fisco, visando promover a transparência e a segurança jurídica:

• Foco na Boa-Fé: A lei passa a presumir a boa-fé do contribuinte em caso de dúvidas razoáveis ou divergências de interpretação.
• Contencioso Racional: Busca-se reduzir o litígio administrativo e judicial, concentrando recursos na fiscalização de grandes fraudes (como a da Poço de Lobato) em vez de pequenos erros formais.

3. Combate Estruturado ao Devedor Contumaz

Este é o pilar que se conecta diretamente com a Operação Poço de Lobato. O PLP 125/2022 mira na figura do devedor contumaz - a empresa que transforma a sonegação em uma estratégia de concorrência desleal.
As medidas propostas são severas e visam paralisar a atividade criminosa na raiz, sem onerar o contribuinte eventual:

• Sanções Proporcionais: O projeto prevê a suspensão do CNPJ e do registro estadual ou municipal, além do impedimento de participar de licitações e obter incentivos fiscais.
• Defesa da Concorrência: Ao neutralizar a empresa criminosa, o PLP defende o mercado formal e protege as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (MPEs) que cumprem suas obrigações.

O Projeto promove alterações em diversas leis para reforçar o combate à contumácia na sonegação fiscal, compreendendo a inclusão do devedor contumaz no Cadastro Informativo (Cadin); alterações no Código Penal para vedar a extinção da punibilidade para crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária nos casos de agentes declarados devedores contumazes; e vedações de acesso a parcelamentos especiais e benefícios penais a este grupo de contribuintes.

É bem verdade que existem críticas ao texto original, com a alegação de ser muito abrangente ou excessivamente focado em um único critério, o que poderia levar à penalização de empresas que são apenas grandes devedoras devido a crises econômicas ou dificuldades circunstanciais, e não por fraude reiterada.

No Senado tais críticas foram pacificadas, quando o relator, Senador Efraim Filho, realizou ajustes cruciais que definiram o texto que foi aprovado. São eles:

O relator adotou a definição de dívida "reiterada, substancial e injustificada" para caracterizar o devedor contumaz, afastando o risco de punir a inadimplência ocasional.

O texto aprovado no Senado estabeleceu critérios objetivos para o âmbito federal (que podem ser replicados nos demais entes):

• Dívida Substantial: Possuir débitos inscritos na Dívida Ativa ou declarados e não pagos, em situação irregular por período igual ou superior a um ano;
• Limite Federal (Valor): Débitos iguais ou superiores a R$ 15 milhões; e 
• Limite Federal (Proporção): Débitos de valor igual ou superior a R$ 1 milhão que superem 30% do faturamento do ano anterior (ou débitos superiores a 100% dos ativos totais conhecidos da empresa).

Essas mudanças serviram para acalmar o setor produtivo e a área jurídica, garantindo que o foco da lei estaria realmente no "bandido" que usa a sonegação como modelo de negócio (o devedor contumaz), sem atrapalhar o empreendedor que atravessa dificuldades.

4. Sistema de Classificação de Conformidade Fiscal: O Fisco Parceiro

Para incentivar ativamente a transparência, o PLP institui um Sistema de Classificação de Conformidade Fiscal. Este sistema irá ranquear as empresas, criando um "Fisco Parceiro" através da "Recompensa à Conformidade":

• Prioridade e celeridade na restituição de tributos.
• Simplificação de procedimentos e menos burocracia nas fiscalizações.

Essa classificação é a prova de que o PLP 125/2022 adota uma visão moderna, facilitando a vida do bom pagador e foca sua energia repressiva na complexidade da fraude organizada.

5. O Risco das Mudanças no Texto Aprovado no Senado e o Teste de Fogo da Relatoria na Câmara Federal

Todo projeto de lei que tramita na Câmara corre o risco de ter seu texto original modificado e desvirtuado. O PLP 125/2022, dada sua natureza sensível, enfrenta riscos em três áreas principais:

• Risco de Desvirtuamento da Desburocratização: O texto final pode não manter a simplicidade da transformação de Sociedade Simples para Empresária, introduzindo Exigência de Burocracia Adicional (laudos, certidões complexas) ou a Omissão do "Fisco Parceiro".
• Risco de Fragilização no Combate ao Devedor Contumaz: O maior risco é a pressão política por grupos de interesse que tentem suavizar ou eliminar as sanções duras, como a Remoção da Suspensão do CNPJ ou a adoção de uma Definição Ambígua de devedor contumaz.
• Risco de Inconstitucionalidade: Mudanças descuidadas podem introduzir Vícios de Iniciativa ou Forma que levem à Declaração de Inconstitucionalidade (ADI) pelo STF, gerando grande insegurança jurídica.
• Risco da Relatoria na Câmara: A atuação do relator, Deputado Federal Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), é o ponto de inflexão. Na Câmara, o texto está mais suscetível a alterações motivadas por lobby ou interesses setoriais. O Deputado tem o papel crucial de filtrar emendas que possam desvirtuar o equilíbrio do projeto: simplificar para o lícito, punir o ilícito. Qualquer alteração que prejudique a segurança jurídica da transformação ou enfraqueça as medidas contra a sonegação bilionária representará um grande retrocesso. O maior perigo é o Esvaziamento do Devedor Contumaz, onde a relatoria cede à pressão para suavizar as sanções, perdendo a capacidade de defesa da concorrência leal.

6. O Paralelo com a Lei de Improbidade (LIA)

O risco análogo para o PLP 125/2022 é o de exigir um "dolo específico" do devedor contumaz, espelhando o que ocorreu na reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) (Lei nº 14.230/2021).
A LIA, ao restringir a punição ao ato doloso (intencional) e afastar a culpa, tornou a punição do agente público mais difícil. No PLP, se o Fisco precisar provar a intenção específica de fraudar em vez de apenas o padrão de dívidas e práticas de sonegação, a punição se tornará quase impossível, sinalizando ao crime organizado que a legislação brasileira se tornou mais permissiva.

7. Próximo Passo: Situação Atual do PLP 125/2022 na Câmara dos Deputados 

O Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022 foi recebido na Câmara Federal (após aprovação no Senado), foi aprovado pela CCJ e está aguardando o parecer da Comissão de Finanças e Tributação (CFT), onde é relatado pelo Deputado Federal Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP).

A análise na CFT e o parecer do relator são a etapa onde as emendas e os riscos de alteração do texto são maiores, como detalhado no seu artigo. Após a CFT, o projeto deve seguir para análise em outras comissões relevantes antes de ir ao Plenário (dependendo do regime de urgência ou da matéria).

O monitoramento contínuo desta fase é fundamental, pois qualquer alteração no texto pode definir se a lei cumprirá seu propósito de ser um marco de justiça fiscal ou se sucumbirá aos riscos de desvirtuamento legislativo. Os interessados podem acompanhar a tramitação legislativa no sítio eletrônico da Câmara Federal.

8. Conclusão

Em suma, o PLP 125/2022 é uma lei de inteligência fiscal. Ao simplificar a vida da Sociedade Simples (desburocratização lícita), ele libera a máquina pública para focar na repressão à fraude bilionária do devedor contumaz, como a exposta pela Operação Poço de Lobato.

A relatoria na Câmara é, portanto, o teste de fogo do PLP 125/2022. O Deputado Antônio Carlos Rodrigues tem em mãos a oportunidade de consolidar uma legislação que é, ao mesmo tempo, socialmente justa (ao desburocratizar para o lícito) e fiscalmente inteligente (ao combater o ilícito).

O exemplo da reforma da Lei de Improbidade Administrativa demonstra que uma alteração legislativa pode ter um efeito prático devastador, dificultando a punição e gerando impunidade. 

A sociedade civil e as entidades de classe devem monitorar cada detalhe do relatório final para garantir que o texto não seja desvirtuado por interesses pontuais, mantendo o equilíbrio que transformará o projeto em um verdadeiro marco para a economia e a moralidade fiscal do país.

Este artigo detalhou que o PLP 125/2022 é o "teste de fogo" da inteligência fiscal, onde os deputados decidirão entre a desburocratização lícita e a proteção aos grandes devedores contumazes.

O ano de 2026 será de eleições gerais, e a maneira mais eficaz de garantir que o espírito de justiça fiscal do PLP 125/2022 seja mantido é através da vigilância ativa. Não basta apenas votar; é preciso saber como o seu candidato vota em matérias que definem o futuro do ambiente de negócios no país. 

A qualidade da nossa democracia se mede também pela transparência e pela fidelidade dos eleitos aos interesses da maioria, que busca crescer pagando impostos de forma justa.

Acompanhe o link oficial da Câmara dos Deputados e as comissões onde o projeto tramita. Verifique se o seu representante apoia as medidas que simplificam a vida do pequeno e médio empresário honesto ou se ele vota a favor das emendas que dão margem de manobra à fraude bilionária. 

Você pode pesquisar o projeto diretamente no site da Câmara usando o link de busca de proposições ou o número PLP 125/2022. O link para acompanhar a tramitação do PLP 125/2022 na Câmara dos Deputados é o seguinte:

(https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2334814)

 

(*) O autor é Cristão Evangélico, Doutorando em Teologia pelo Instituto Logos, Consagrado ao Ofício Diaconal pela Igreja Batista em Dom Pedro, Formado em Direito pela UFAM, Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil, Procurador da Câmara Municipal de Manaus, Advogado, Presidente da Comissão da Advocacia Pública e Membro Titular da Comissão de Apoio Institucional à Gestão Pública da OAB/AM, Corretor de Imóveis, CAC, Antigomobilista, Apresentador do Podcast “Lei é Lei”, ex-Juiz Classista da Justiça do Trabalho, ex-Procurador-Geral da CMM, ex-Diretor-Geral da CMM, ex-Chefe da Consultoria Técnico-Legislativa e ex-Subsecretário Chefe da Casa Civil do Governo do Estado do Amazonas.
 

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