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Uma quinta-feira ingrata para Manaus


Por Elizabeth Menezes

12/10/2023 19h30 — em
Ombudsman



Quinta-feira. Dia das Crianças. Dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Manaus, pelo segundo dia, coberta de fumaça provocada pelas queimadas. Qualidade do ar da capital do Amazonas é considerada péssima. Moradores reclamam nas redes sociais. Equipe de policiais civis da Delegacia Especializada em crimes ambientais foram mandados para Autazes (a 113 km de Manaus), para identificar responsáveis pelos incêndios florestais no município, onde já se contabiliza 105 focos de incêndio. Presidente Lula autoriza força da Segurança Nacional para combater queimadas em municípios no sul do Amazonas. Eis (quase) um resumo deste dia. 

Ontem, quarta-feira 11, o governador Wilson Lima (UB) pediu ajuda do governo federal, para reforçar o combate a focos de incêndios no Amazonas. Ele explicou que conversou com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quando solicitou apoio tanto de pessoal quanto de equipamento. Ao ministro José Múcio (Defesa) pediu “aeronave de grande porte”, uma vez que, devido a grande quantidade de incêndios, apenas com ações “por terra”, o governo estadual não conseguiria  enfrentar a situação. No mesmo dia, uma novidade foi anunciada: proposta de punição para responsáveis por “queimadas ilegais” no estado.

De acordo com o noticiário, membros do Comitê de Enfrentamento à Situação de Emergência Ambiental, “trabalham numa proposta destinada a endurecer as punições contra os responsáveis por queimadas ilegais durante o período da estiagem”, especial na RMM (Região Metropolitana de Manaus. A proposta seria levada ao governador, “que instituiu e lidera o grupo”. Ideia louvável, não fosse o fato de que o problema começou em agosto, quando o Amazonas registrou mais de 5,4 mil focos de incêndio em todo o estado. Em setembro, o número pulou para quase sete mil, o pior desde 1998, quando o Inpe  (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) iniciou o monitoramento. Em outubro, o Amazonas já registrava duas mil queimadas, superando 2022, no mesmo período (1,5 mil focos) 

Na tarde desta quinta-feira, o Portal do Holanda publicou matéria da jornalista Ana Célia Ossame, com a informação de que a PGR (Procuradoria Geral da República avalia pedido de intervenção federal, proposto pela DPE-AM (Defensoria Pública do Amazonas). Esta foi uma quinta-feira ingrata para o Amazonas, dono do maior rio do mundo e onde, atualmente, em várias localidades, no lugar da água estão bancos de areia e terra, resultado da grande seca. Ainda na quarta-feira, o Amazonas, formado por 62 municípios, chegou a 48 em estado de emergência, por causa da seca.  Em Manaus, a fumaça, provocada por incêndios, é sentida pelos moradores. É a mesma situação em vários outros municípios. 

Focos de incêndio e nuvem de fumaça são observados (e filmados) por aqueles que transitam em estradas, a exemplo do que aconteceu também na última quarta-feira, na estrada de Autazes. A imprensa local, desde o início, faz ampla divulgação desses problemas, que não receberam a atenção esperada de parlamentares do Amazonas. Levando-se em conta que desde agosto, com maior intensidade a partir de setembro, os assuntos seca, calor e fumaça passaram a ocupar grande espaço na mídia, inclusive nacional e internacional, verifica-se que o tema não entrou na pauta de grandes discussões na Aleam (Assembleia Legislativa do Amazonas). 

No site da Aleam da quarta-feira, exatamente o dia em que o governador Wilson Lima apelou diretamente para o governo federal, matéria da Diretoria de Comunicação, traz o seguinte título: “A fumaça que encobre Manaus e a péssima qualidade do ar foram os destaques dos discursos, na Assembleia Legislativa, nesta quarta-feira (11)”. Carlinhos Bessa (PV), vice-presidente da Casa, declarou: “Isso vai causar um grande prejuízo na saúde pública. O estado precisa fiscalizar e punir quem pratica tal ato, tendo em vista que estamos vivendo um momento delicado de desastre ecológico com a seca, quadro piorado pela fumaça”.

Joana D'arc (UB), afirmou : “Estamos com a segunda pior qualidade de ar do mundo e isso é muito grave. Pessoas estão aproveitando para colocar fogo em terras para explorar atividade ilegal. A Amazônia não pode servir apenas para palco de discurso, precisamos de ajuda a nível (sic) mundial e nacional”. Outros deputados se pronunciaram, segundo a matéria, mas nenhuma proposta mais concreta ou de impacto. No final de setembro, também conforme a Diretoria de Comunicação, o assunto seca dos rios e queimadas foi tratado pelos deputados. Foram citados dados Inpe (divulgado pela imprensa).

Também comentaram sobre as verbas anunciadas pelo governo federal, para a dragagem dos rios Solimões e Amazonas. O deputado João Luiz (Republicanos) chegou a sugerir que parte dos R$ 141 milhões destinados à dragagem desses rios, fosse destinada a aquisição de cesta básica e água potável para comunidades ribeirinhas isoladas pela seca. O fato é que, em meio a todas essas turbulências climáticas, parlamentares estaduais dedicaram muito do seu tempo em projetos de interesses a ser avaliados (no futuro, talvez). Em plena estiagem, calor e fumaça prejudicando não apenas pessoas, mas também o Amazonas, a deputada Débora Menezes (PL) consegue tornar lei um projeto de sua autoria, para criar O Dia Estadual do Conservadorismo (lei aprovada em 9 de outubro). 

Quatro dias antes (5 de outubro), Débora Menezes, numa proposta conjunta com o colega João Luiz, também conseguiu aprovação de uma lei que proíbe a utilização da chamada “linguagem neutra” e do “dialeto binário”. Ou “de qualquer outra expressão que descaracterize o uso da norma culta da língua portuguesa, na grade curricular e no material didático de instituições de ensino público ou privado e, em documentos oficiais das instituições de ensino e repartições públicas do estado do Amazonas”. Um levantamento da Gazeta da Amazônia, mostra que os deputados estaduais já aprovaram mais de 80 projetos de lei que instituem dias comemorativos. 

Dentre os dias comemorativos aprovados, estão o Dia do Vaqueiro e o Dia do Obreiro. O que chama a atenção em projetos (agora leis) que proíbem a linguagem neutra e um dia especial para comemorar o “conservadorismo”, por exemplo, é a temporalidade: diante de uma quase calamidade pública, representes do povo, eleitos pela vontade popular, não demonstrem grande empenho em discutir, propor sugestões viáveis para o enfrentamento de um problema tão real e próximo de todos os amazonenses. Em outros momentos, a coluna já abordou o tema, ao sugerir que o trabalho dos representantes diretos da população sejam acompanhados de perto.

 Tudo o que eles fazem (ou deixam de fazer) é essencial mostrar para quem os colocou numa posição privilegiada. Isso é tarefa da imprensa.

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Elizabeth Menezes, jornalista formada pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas), repórter em jornais de Manaus, a exemplo de A Notícia, A Crítica e Amazonas em Tempo. Também trabalhou na assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa.

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