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Quando a morte de criança é acidental


Por Elizabeth Menezes

19/10/2023 15h37 — em
Ombudsman



Na última terça-feira 17, a menina Amanda, de apenas 11 anos, morreu com um tiro de espingarda. Estava em casa. Quem atirou nela foi o irmão, de apenas 10 anos. Conforme relato dos avós das crianças, o menino brincava com a arma que o pai, depois de voltar de uma caçada, havia deixado “atrás do armário do quarto, onde costumava guardá-la”. A tragédia aconteceu na casa da família, no município de Rio Preto da Eva (Região Metropolitana de Manaus). Amanda, socorrida pelos avós, ainda recebeu atendimento médico em hospital, onde a morte foi confirmada.   

De acordo com o Portal do Holanda, “o menino pegou a espingarda sem o conhecimento do pai e começou a brincar com ela, sem saber que ela tinha munição. Em dado momento, ele puxou o gatilho e acabou acertando as costas de Amanda que estava na cama mexendo no celular”. A espingarda, de acordo com os relatos, estava no nome do avô. Levado à delegacia, ele foi autuado por “omissão de cautela e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”. Ainda conforme o noticiário, uma equipe multidisciplinar da Secretaria Municipal de Educação daquele município presta apoio psicológico aos familiares. 

 A coluna não conseguiu obter dados sobre morte acidental de crianças e adolescentes, aqui do Amazonas. Mas encontrou informações outras. Uma reportagem da Agência Brasil, de 20 de março de 2019, diz que a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre em decorrência de ferimentos por arma de fogo. Cita estudo da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Entre 1997 e 2016, mais de 145 mil jovens com até 19 anos morreram em consequência de disparos acidentais ou intencionais, como em casos de homicídio e suicídio”, diz reportagem assinada por Paula Laboissière. O estudo considerou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, em 2016.

Naquele ano, foram registrados 9.517 óbitos entre crianças e adolescentes no país. “O número é praticamente o dobro do identificado há 20 anos – 4.846 casos em 1997 – e representa, em valores absolutos, o pico da série histórica. O levantamento mostra que, a cada duas horas, uma criança ou adolescente dá entrada em um hospital da rede pública de saúde com ferimento por disparo de arma de fogo. Entre 1999 e 2018, foram registradas quase 96 mil internações de jovens com até 19 anos no Sistema Único de Saúde (SUS)”, pode-se ler na reportagem da Agência Brasil. Essa questão  foi analisada em 17 de setembro de 2022, no jornal Folha de S. Paulo. 

Ana Claudia Cifali, doutora em ciências criminais (PUC-RS), coordenadora jurídica do Instituto Alana, confirma os números citados pela Agência Brasil e dá a sua opinião.   “A cada duas horas uma criança ou adolescente dá entrada em um hospital da rede pública com ferimento por disparo de arma. Os dados da Sociedade Brasileira de Pediatria mostram a tragédia alimentada pelo irresponsável plano do atual presidente da República de permitir que mais armas circulem no país”, afirmou Ana Cláudia (referindo-se ao então presidente Jair Bolsonaro). 

Reportagem da Revista Crescer, publicada em 13 de julho de 2019, sob o título “Mortalidade infantil: casos envolvendo disparo acidental de armas de fogo aumentam 95% em um ano”, informa que esse número é de 2016 para 2017. Mesmo período em que outras mortes acidentais, de crianças e adolescentes, teve redução, “de acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde”. 

 “Apesar de pouco representativo no total de mortes acidentais de crianças e adolescentes, o número de óbitos por disparo acidental de armas de fogo quase dobrou de 2016 para 2017, passando de 20 para 39 vítimas em um ano. Dos 39, dez foram registrados no estado do Amazonas e seis no Rio Grande do Sul”, ainda de acordo com a publicação. Percebe-se, na reportagem da Revista Crescer, que o Amazonas tem o registro de dez casos de morte de crianças e adolescentes, no período mencionado. O caso da menina Amanda, citado também na imprensa nacional, entrará nas próximas estatísticas. Quanto ao tema, mais um nas engrenagens da política, há muito se revelou complexo e parece cada vez mais longe de consenso. 

Em 2005, eleitores brasileiros foram às urnas para dizer “sim” ou “não” ao comércio de armas de fogo e munição para a população em geral. Era o Plebiscito, previsto no Estatuto do Desarmamento. A maioria respondeu “sim”, depois de uma campanha que mexeu com o Brasil todo. Mas, apesar da vitória do “sim”, a discussão está sempre em debate. Vieram novas regras, como a redução de quantidade de armas e munições para os civis, caçadores, atiradores e colecionadores. Porém, quem votou “não” (ou gostaria de ter votado), atribui a maioria dos homicídios ao aumento de armas de fogo na mão da população (com base nas estatísticas). 

O caso da menina Amanda choca e perturba. Não se pode falar que o irmão é um assassino. Mas, aos dez anos, ele sabe que matou a irmã. Há culpados? Quais as consequências? Nem precisa dizer que essa foi a motivação para a coluna de hoje. Por isso, a busca por informações para embasar o texto. Não foram encontradas as informações esperadas. Até onde foi possível procurar, não existem dados sobre morte de crianças e adolescentes por armas de fogo, aqui no Amazonas. Nem antigas e nem atuais. Mas deve haver, em algum lugar. É preciso descobrir. É preciso perguntar de quem sabe. A imprensa sabe fazer isso.

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Elizabeth Menezes, jornalista formada pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas), repórter em jornais de Manaus, a exemplo de A Notícia, A Crítica e Amazonas em Tempo. Também trabalhou na assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa.

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