A BONANÇA AINDA NÃO CHEGOU
“Depois da tempestade vem a bonança” é um ditado popular muito conhecido. Carrega a esperança de tempos melhores, apesar dos dissabores da vida. Aqui no Amazonas, a bonança imediata seria a volta das águas aos rios, para acabar a estiagem que vem castigando vários municípios do estado, além de comunidades rurais e indígenas na área da capital. E enquanto a boa nova não chega, ações do poder público tentam amenizar os problemas enfrentados pelos moradores dessas localidades. A prefeitura de Manaus, por exemplo, passou a distribuir cestas básicas, kits de higiene e água potável para 420 famílias das comunidades Pagodão, Chita, Terra Preta outras. Todo o material, segundo informou a prefeitura, chegará às localidades até o próximo domingo.
Na última quarta-feira 4, o vice-presidente Geraldo Alckmin, numa comitiva de seis ministros e representantes de outros ministérios, esteve em Manaus, sobrevoou a região, andou de barco e anunciou várias medidas, a exemplo de antecipação do pagamento do bolsa família para os municípios atingidos pela seca. A visita teve enorme cobertura da imprensa local e nacional. Nos últimos dias, embora com menos intensidade, a seca continuou na pauta dos veículos de comunicação. O Portal do Holanda, por exemplo, publicou matéria (com imagens de vídeo) sobre o Lago de Tefé, que se tornou estrada, usada por pedestres e motociclistas.
É o mesmo lago onde morreram 125 botos, por causa da alta temperatura das águas. Com a nova geografia provocada pela seca, a travessia entre Tefé e Alvarães, antes só possível por embarcação, agora mudou. Quem precisar sair de Tefé (a 521 km de Manaus) para Alvarães (a 531 km de Manaus), precisa apanhar mototáxi para chegar à margem do lago que dá acesso aos barcos. O mesmo vale para os moradores de Alvarães. Esse tipo de informação mostra um pouco da realidade de um município do interior, que é desconhecida por uma grande parte da população de Manaus. Não apenas em decorrência do que está acontecendo agora, mas também em todos os outros momentos. O interior não costuma entrar nas pautas dos veículos de comunicação.
Na coluna de 24 de setembro, sob o título “Política local a passos de tartaruga”, ao comentar sobre queimadas, fumaça e calor, que ocupavam já grande espaço na imprensa, fiz algumas sugestões ao Portal do Holanda. Lembrei que, sobre um assunto tão grave, políticos amazonenses não haviam sido ouvidos. Nem mesmo prefeitos de municípios que já estavam enfrentando tais problemas. Não houve resposta da Redação. Mas, a jornalista Rosiene Carvalho entrevistou o prefeito de Itamarati, João Campelo (MDB). O município (a 983 km de Manaus), fica na calha do Juruá, “Oeste do Amazonas, uma das áreas mais isoladas do País”, informa Rosiene, na entrevista pela BandNews Difusora, na sexta-feira 6.
Na entrevista por telefone, o prefeito contou que se antecipou à seca, ao adquirir alimentos, diesel para energia elétrica e até fazendo estoque de medicamentos. Apesar dessas providências, ainda há muitos problemas. “Quem se preparou está sofrendo. Imagine quem não conseguiu”, afirmou. Ele explicou que, em grande parte das comunidades, onde vive 40% da população, “não tem mais como chegar de lancha”. Para alcançar algumas localidades, é preciso caminhar por varadouros (caminhos feitos na mata).
O prefeito de Itamarati afirmou, na entrevista, que o município "está sobrevivendo". Com a seca, as balsas transportam apenas 40% da sua capacidade. Resultado: um saco de cimento custa R$ 100. Se for preciso trazer um doente para Manaus, o frete de avião com oito lugares custa R$ 50 mil, de acordo com João Campelo, explicando que a prefeitura tem um orçamento anual de R$ 35 milhões. Por isso a prefeitura tem dificuldade de mandar pessoas doentes para se tratar em Manaus. Ele também contou que 1.200 indígenas estão totalmente isolados em suas comunidades. Além das comunidades não indígenas.
A coluna de hoje faz referência à entrevista pela jornalista Rosiene Carvalho, para demonstrar que é possível chegar mais perto de quem encara, bem de perto, problemas iguais a esse. Não basta apenas ouvir apenas autoridades mais importantes (estas têm obrigação de se manifestar), mas também pessoas que vivenciam os problemas no dia a dia. Itamarati fica a quase mil quilômetros de Manaus. Bastou uma ligação telefônica para encurtar a distância geográfica e ter uma conversa com o prefeito.
De acordo com o noticiário, pelo menos 40 municípios do Amazonas estão em estado de emergência por causa da seca. O número sobre para 55 quando se juntam “estado de emergência” e “estado de calamidade pública”. É um número muito alto, se considerar que o Amazonas tem 62 municípios, incluindo a capital Manaus.
Não é importante o noticiário sobre queimadas, calor beirando os 40 graus (sem hora marcada para acabar), incluir as consequências da atual seca vivida pela gente do interior? Quem sabe ainda se possa ouvir a experiência de caboclos sobre seca e enchente, igual acontecia no passado. A sugestão serve também para o próximo momento da vida amazonense, que é a cheia. Será mais surpreendente do que as últimas?
Neste momento, 55 prefeitos do interior precisam administrar mais esse problema. Enquanto a população desses mesmos municípios aguarda/recebe ajuda das autoridades e dos céus.
Por que não ouvi-los?
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