Um texto entediado
Caríssimos leitores, se um dia, pelo menos, freou-lhe a intenção malsã, o pudor de crescente número de políticos esvai-se agora, sem encontrar resistência, assim como a lama que arremeteu morro abaixo nos complexos da Penha e Alemão do Rio. Jamais se saberá quantos mortos são devidos á inépcia dos governantes. No caso de reputações que derretem como gelo, quem se importa?
Nossa expectativa é quase nenhuma. Nosso conformismo, pleno. Indignar-se? Quem há de? Desde que não mexam para pior em nossos bolsos... Se algo nos atazana, para que existe afinal a internet? Basta aderir a algum manifesto de ocasião, repassá-lo à nossa rede de contatos e tocar a vida adiante. Ela por si, já é severa em excesso.
Para o ano que já se aproxima, estamos prontos a renovar a confiança no mesmo tipo de gente, alvo, amiúde, de nossa repulsa retórica. O paradoxo não nos atormenta. O argumento é simples: em que parte do mundo é diferente? No Egito? Nos Estados Unidos? Na China? Na Rússia? Simplicidade e verdade rimam, mas isso, convenhamos, está longe de ser uma solução.
Richard Nixon renunciou ã presidência dos Estados Unidos porque mentiu ao país. Deputados ingleses foram obrigados a devolver benefícios ilegalmente auferidos. De resto, sabe o que mais? Quer saber? Ás favas com os maus exemplos alheios. Por serem tolerados em tantos sítios, não deveríamos nos sentir forçados a tolerá-los por aqui. Parece distante o tempo em que padecíamos do complexo de cão vira-lata, feliz expressão cunhada nos anos 50 do século passado pelo escritor Nelson Rodrigues.
Na política, admita-se, o complexo ainda sobrevive e estamos confortáveis com ele. Quem liga para as aposentadorias vitalícias de deputados? Se as presidências das mais importantes comissões permanentes da Câmara dos Deputados estão reservadas para sujeitos protagonistas de escândalos? Se o governador de um dos Estados mais pobres do país ganha mais do que o governador do estado mais rico? Quem liga se o atual presidente da Câmara dos Deputados promete a construção de novos gabinetes para colegas que mal ocupam os seus durante três dias por semana? Quem liga para a guerra entre os partidos pela ocupação de cargos estratégicos no segundo escalão do governo?
Quem liga se para falarmos de coisas barés, para as ruas de Manaus que continuam esburacadas, enquanto parques temáticos grandiosos, são construídos na cidade? E pelos valores altíssimos pagos a cantores nacionais em eventos na cidade? é o famoso pão e circo. Quem liga para o preço da gasolina em Manaus, enquanto a Petrobras baixa o preço em todo o país, a dona da refinaria de Manaus, não refina e manda buscar de fora a gasolina? Quem liga para a excrecência que é visitar o porto de Manaus, de longe incomparável com as docas de Belém? Chocado caro leitor? Por suposto que não. Quem liga?
Um pouco entediado, talvez, com a natureza de reles texto destinado a ser esquecido daqui a instantes. Assim como gorda parcela de vocês já esqueceu em quais candidatos votou nas últimas eleições.
ASSUNTOS: Espaço Crítico