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Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira


Por Flávio Lauria

09/11/2025 17h18 — em
Espaço Crítico



O tema da redação do ENEM neste domingo foi “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. Acredito que se enveredássemos pelo tema, e colocássemos em perspectiva a sociedade brasileira, teríamos como obvia e natural resposta, a qualidade de vida do idoso como parâmetro fundamental. Sobre envelhecimento, poderia se dissertar que os homens e as mulheres que têm os rostos com os sulcos marcados pelo tempo, os cabelos acinzentados, mãos trêmulas e passos lentos/inseguros, não são mais denominados de velhos, optou-se pelo termo 3ªidade. Seria um preconceito contra o preconceito? Como se apenas o fato de criar-se um nome, fosse capaz de proporcionar maior respeitabilidade a eles. Como se a mudança do vocábulo, desse-lhes mais dignidade. Como se facilitasse a travessia da maturidade para a velhice. Entretanto, tornou-os mais felizes?

A velhice está batendo à nossa porta. Não adianta fingir que não a escutamos. Mesmo no Brasil, houve um aumento da longevidade e a tendência é que o contingente de velhos cresça significativamente, nos próximos anos. Portanto, é mister que haja uma preocupação séria com a qualidade de vida dos idosos. Eles que construíram uma família, com a parca aposentadoria que recebem, geralmente, vão morar com um dos filhos. Esse arranjo raras vezes dá certo. Ainda que sejam saudáveis, eles não são invisíveis, têm suas manias (por que não?) e carecem de afeto.

Acolhê-los não quer dizer dar-lhes cama e comida. Segundo Rubem Alves: ...o pão é pouco: a vida precisa também de alegrias e carinhos.

Repito o que já escrevi a alguns anos, sinto-me seduzido pela ilustração da capa do livro Tempus Fugit, de Rubem Alves: um velho e grande relógio, com seus majestosos algarismos romanos, pêndulo e carrilhão. O escritor só conseguiu entender depois a mensagem daquele relógio, que vinha a cada quarto de hora e que tanto o assustara durante as noites em que dormira na casa do avô.

Era o recado do tempo que fugia. O tempo já havia escoado para os seus antepassados, entretanto, era como se o velho relógio, espectador de tantas cenas familiares, soubesse que o seu próprio tempo logo também estaria esgotado; então, escolhera o garoto para repassar-lhe os segredos que conhecia.

É comum assistirmos a entrevistas na TV em que os convidados debatem a qualidade de vida do idoso. Falam da importância de uma alimentação balanceada (leia-se insossa), do pecado de usufruir uma vida sedentária (a caminhada é a grande descoberta do milênio), dos clubes sofisticados que já funcionam a todo vapor, com atividades voltadas para a terceira idade (e que custam uma fortuna) e da memória que deve ser exercitada (apesar das dolorosas recordações que vêm à tona). Mas, quase nunca se destaca a importância da família dedicar um tempo para conversar com eles. (Deve ser por isso que as agendas dos psiquiatras vivem lotadas). Repetem histórias? E daí?

Grandes figuras foram flechadas por cupido já na 3ªidade. O poeta inglês T.S. Elliot e sua musa Valerie descobriram o amor em plena velhice. Ele apaixonou-se aos 68 anos; aos 70 afirmou: O amor retribuído sempre rejuvenesce. Ciente de que os jovens não compreendiam o amor no outono da vida, o poeta declarou: Há uma coisa que não se perdoa aos velhos: que eles possam amar com o mesmo amor dos moços.

Voltando ao relógio, o autor não aceita impassível o escoar do tempo. Rebela-se: O amor tem este poder mágico de fazer o tempo correr ao contrário. O que envelhece não é o tempo. É a rotina, o enfado.... Critica a postura de uma sociedade moralista: ...o preço de serem amados por seus filhos e netos é a renúncia de seus sonhos de amor.

Os velhos lidam com a proibição. A maior parte das famílias é a primeira a desrespeitar a liberdade amorosa de seus idosos, como se a redescoberta para a sexualidade lhes tirasse a dignidade. É preferível vê-los solitários, assexuados, tristes, até murcharem e morrerem...

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