Paraná quer cobrar taxa de inquérito de condenados por crimes; especialistas apontam ilegalidades
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - Um projeto de lei proposto pelo governo do Paraná no início deste mês quer instituir a cobrança de uma taxa de todas as pessoas condenadas por crimes ou que tenham feito acordos de não persecução penal, quando é permitida uma resolução consensual para dar desfecho a um crime sem violência.
O valor da taxa, de acordo com o texto, serviria para cobrir as despesas relacionadas ao inquérito, que é a fase de apuração do crime, sob responsabilidade da Polícia Civil.
"Tal medida visa imputar ao autor do delito a necessidade de recomposição dos recursos públicos despendidos de forma específica e individualizada para apuração da sua conduta", diz a justificativa do projeto, assinada pelo governador Ratinho Junior (PSD).
Segundo ele, a ideia é "promover justiça social", ao "transferir o ônus financeiro das investigações criminais a quem lhes tenham, de fato, causado". O texto ainda será votado pela Alep (Assembleia Legislativa do Paraná), onde o governador tem ampla base.
Ele também afirma que os valores arrecadados com a chamada TAI (Taxa de Atos de Inquérito) irão para o caixa da Polícia Civil, que "poderá investi-los de forma contínua na modernização de equipamentos, capacitação de servidores e melhoria das condições de trabalho".
Pelo projeto, a cobrança só ocorrerá quando a condenação transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso contra a sentença. Além disso, outro trecho do projeto estabelece que aquelas pessoas condenadas em definitivo e que tiveram assistência judiciária gratuita ao longo do processo ficam isentas da taxa.
No próprio projeto já há uma lista com 37 procedimentos relacionados a um inquérito e a definição de uma alíquota para cada um deles com base em 1 UPF/PR, que é a Unidade Padrão Fiscal do Paraná, atualmente em R$ 145,13.
A alíquota de uma interceptação telefônica, por exemplo, é 150%, o que significaria um custo hoje de R$ 217,69. Já uma lavratura de auto de prisão em flagrante é 400%, ou R$ 580,52.
Especialistas consultados pela Folha de S.Paulo criticam o projeto.
Para o advogado Clóvis Alberto Bertolini, doutor em direito do Estado, o texto "recorre a um instrumento tributário inadequado e cria distorções". "A proposta transfere aos investigados o custo de uma função essencial do Estado, o que compromete o acesso universal à segurança pública".
"Ele tenta enquadrar como taxa o reembolso de custos com investigações criminais, uma atividade típica e indelegável do Estado, que é prestada de forma indivisível à coletividade. A Constituição só permite taxas quando o serviço é específico e divisível, o que não é o caso dos inquéritos policiais", acrescenta Bertolini.
Para o professor Francisco Monteiro Rocha Jr., do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o assunto é de competência da União. "Inquérito é o procedimento preparatório do processo penal, que está previsto e regulamentado no Código de Processo Penal, que, por sua vez, é de competência exclusiva da União. Isso está no artigo 22 da Constituição Federal", diz ele.
"É uma ideia que eventualmente poderia ser discutida no âmbito da União, mas não tem sentido ser discutida no âmbito estadual, por força da própria Constituição", afirma o professor.
Procurada pela reportagem, a Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública) afirma em nota que o projeto "não aborda nenhum acréscimo de sanção pecuniária que concorre com o Código Penal, pois diz respeito somente às custas processuais, como já ocorre com o Tribunal de Justiça", e acrescenta que a diretriz da proposta é "a busca por reparação ao transferir o ônus financeiro das investigações para os autores dos delitos".
De olho na disputa pela Presidência em 2026, Ratinho Junior tem dado ênfase ao tema da segurança pública. Em artigo de opinião publicado na Folha de S.Paulo na semana passada, ele defendeu regras penais mais duras e permissão constitucional para que estados também tenham competência para legislar sobre crimes.

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