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Pesquisa: Manaus é contra o aborto


Por Elizabeth Menezes

10/10/2023 11h57 — em
Ombudsman



Nesta segunda-feira 9, o Instituto Action Pesquisas de Mercado divulgou a opinião de 800 moradores de Manaus, a respeito do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação. Resultado: 80,6% dos que responderam à pesquisa, disseram ser contra. Apenas 12,2% se declararam a favor e 7,2% não responderam. Portanto, a capital do Amazonas é antiabortista. Ou, dito de outra forma, rejeita a mudança no Código Penal, já em votação no STF (Supremo Tribunal Federal), para que o aborto de até três meses não seja mais considerado crime. Hoje, mulher que faz aborto, ou quem provoca aborto com o consentimento da gestante, comete crime que pode levar à prisão.

Existem as exceções para o aborto não ser considerado crime: quando não há outra forma de salvar a vida da gestante; se a gravidez é resultando de estupro e se ficar constatado que o feto é anencéfalo (com malformações congênitas do sistema nervoso central do embrião). O que está em votação no STF é um pedido do PSOL para que os artigos do Código Penal sobre o aborto, não tenham validade se a interrupção da gravidez ocorrer nas 12 primeiras semanas. O partido defende que as mulheres têm o direito constitucional de interromper a gestação sem precisar de permissão do Estado. Além de também garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar a interrupção. 

Agora que uma pesquisa revelou a opinião de 800 residentes de Manaus, amplamente divulgada em todos os veículos de comunicação, incluindo o Portal do Holanda, seria interessante ir além. Por exemplo: estatística sobre o número de abortos em Manaus e em todo o estado nos últimos anos; consequências de abortos realizados de forma clandestina e que acabam levando mulheres aos hospitais; óbitos em consequência de abortos; situação socio-econômica dessas mulheres. E, além dos números frios, que tal procurar saber/entender o que leva mulheres ao aborto voluntário? Parece insano imaginar que alguma mulher engravide apenas para fazer aborto. 

Nas redes sociais, onde esse assunto é mais um ingrediente na polarização política vivida no Brasil, já teve internauta (homem) escrevendo, sem o menor pudor: “Agora a mulherada vai sair dando pra todo mundo, porque o STF vai liberar o aborto”. Nesse caso, não se trata apenas de ignorância, mas de sentimentos cruéis em relação às mulheres. Porque não se pode negar que esse é um assunto muito grave. Em busca de informações para esta coluna, encontrei dados que podem ser considerados assustadores: segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), aproximadamente 55 milhões de casos de aborto ocorreram entre 2010 e 2014, em todo o mundo. Sendo 45% deles considerados “inseguros”. 

Detalhe: 97% desses abortos estão em países da África, Ásia e América Latina. O que a OMS considera “aborto inseguro”? Aquele “realizado por pessoas sem a habilidade necessária ou em ambiente inadequado para se fazerem os procedimentos médicos, ou a conjunção das duas situações”. Outro dado: No Brasil, cerca de 800 mil mulheres praticam aborto todos os anos, enquanto 200 mil “recorrem ao SUS para tratar as sequelas de procedimentos malfeitos”. Porém, para a OMS, “esse número pode ultrapassar um milhão de mulheres”. Mais: o aborto é o quinto maior causador de mortes maternas no Brasil. 

 E o que se tem sobre o Amazonas? Uma reportagem do G1 AM, publicada em 27 de agosto de 2020, assinada pelo repórter Matheus Castro, informa que “mais de 50 abortos legais foram realizados em Manaus nos últimos dois anos”. Ele cita dados da Susam (Secretaria de Saúde do Amazonas). “Os números são de procedimentos feitos no Instituto da Mulher Dona Lindu, na capital, nos anos de 2018, 2019 e até junho de 2020”, escreveu. A matéria, no entanto, deu mais ênfase ao caso de uma menina de dez anos, que engravidou depois de ser abusada sexualmente durante quatro anos, por um tio.

Os números divulgados pelo Instituto Action revelam, talvez, muito mais o acirramento político do momento (essa é outra pauta), mas o resultado traz à tona uma realidade que precisa ser encarada.  Além dos órgãos de saúde, que devem dispor de informações importantes sobre o assunto, psicólogos e sociólogos deveriam ser ouvidos. Por fim, uma boa reportagem teria de incluir mulheres que, por qualquer razão, praticaram o aborto: elas não engravidam sozinhas, mas o crime por abortar é apenas delas. Isso, quando não morrem. Em resumo: elas existem apenas em forma de números estatísticos.

Vamos lá, Portal do Holanda?

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Elizabeth Menezes, jornalista formada pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas), repórter em jornais de Manaus, a exemplo de A Notícia, A Crítica e Amazonas em Tempo. Também trabalhou na assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa.

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