Manaus: sai fumaça e seca para entrar a 'dama do tráfico'
O fato aconteceu nos meses de março e maio, mas somente agora o Estadão veio a público informar que a esposa do traficante Tio Patinhas esteve no Ministério da Justiça em duas oportunidades. Naquelas ocasiões, ela ali esteve em grupos de visitantes, na condição de presidente da ILA (Associação Instituto Liberdade do Amazonas), criada no ano passado. Ela é Luciane Farias, a “Dama do Tráfico amazonense”, casada há 11 anos com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, líder do CV (Comando Vermelho), condenado a 31 anos de prisão, em dezembro passado.
A ILA é uma ONG (Organização Não governamental) que atua em defesa dos direitos de presos. Porém, de acordo com o Estadão, citando a Polícia Civil do Amazonas, a entidade “atua em prol dos detentos ligados ao Comando Vermelho e é financiada com dinheiro do tráfico de drogas”. Também citando o Ministério Público do Amazonas, o jornal descreve Tio Patinhas como um indivíduo de “altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia, ostentador de poder econômico do tráfico de drogas e não indulgente para com os devedores”.
O mesmo MP diz que Luciene “conquistou confiabilidade da cúpula da Organização Criminosa Comando Vermelho”. E foi condenada, em segunda instância, a 10 anos de reclusão “por associação ao tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro”. Depois da esperada repercussão do caso, Luciane se manifestou pelas redes sociais. Em nota, afirma não pertencer a nenhuma organização criminosa. Explica ter sido absolvida num primeiro processo, responde a um segundo (pedido pelo MP), mas está recorrendo. “No Brasil, uma pessoa só pode ser considerada criminosa após trânsito em julgado”, acrescenta a nota. Diz mais: “Sou inocente e lutarei para prová-lo”.
A “bomba” do Estadão atingiu diretamente o ministro da Justiça, Flávio Dino, que não participou de qualquer reunião com a “dama do tráfico amazonense”. Nas duas ocasiões, ela esteve com secretários de seu ministério. Mas, além de titular da pasta, Flávio Dino tem o nome cotado para uma próxima vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) e, desde que assumiu, a oposição não sai dos seus calcanhares. Em março deste ano, provocou polêmica pela “facilidade” para entrar numa favela do Rio de Janeiro, dominada pelo CV (tinha compromisso na sede de uma ONG).
Um vídeo mostrando a chegada do ministro e sua comitiva, sem nenhum aparato de segurança, a um local considerado de difícil acesso até para a PM, gerou muitas críticas. E agora vem essa visita da esposa de um líder do CV do Amazonas. Antes do final do dia, parlamentares já havia anunciado medidas contra o ministro. Além de explicações, querem pedido de investigação e a palavra impeachment chegou às redes sociais. Sem contar os comentários sobre os possíveis danos na pretensão de Flávio Dino chegar ao STF.
O deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) apresentou pedido de impeachment. Do Amazonas, o também deputado federal Amom Mandel (Cidadania) protocolou notícia-crime na PGR (Procuradoria-Geral da República), para investigar as denúncias do Estadão. Da parte do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, veio a ideia de entrar com uma representação no Ministério Público Federal contra Flávio Dino, para que “investigue possível associação ao Comando Vermelho”. “Analistas” das redes sociais aproveitaram para atiçar ainda mais as desavenças entre apoiadores de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
ERA PARA SER UM DIA DE FESTA NO GOVERNO LULA
A chegada de um avião da FAB (Força Área Brasileira), que trouxe um grupo de 32 pessoas resgatadas da Faixa de Gaza, deveria ter sido um grande momento para o governo Lula. A aeronave pousou à noite, em Brasília, o presidente Lula estava no aeroporto para receber a todos, abraçou, foi abraçado, ouviu palavras de agradecimento dos que escaparam do conflito entre Israel e Hamas, porém o brilho da festa pode ter sido um pouco apagado pelos acontecimentos do dia. O ministro Dino participou da recepção no aeroporto.
Como será o amanhã? Já se sabe de novas regras para ter acesso ao Ministério da Justiça. Uma delas: nome e número do CPF. Reunião e audiência? Só com antecedência de 48 horas, confirmado por e-mail. Fosse assim, a “dama do tráfico amazonense” não teria entrado apenas por estar na companhia de uma ex-deputada, e por isso não precisou se identificar. Mas, há quem pense que toda essa celeuma não passe de “covardia do governo Lula”. Essa é a opinião do diretor-geral deste portal, Raimundo de Holanda, exposta na Coluna Bastidores da Política.
“O fato de ser mulher de traficante e também ter sido condenada, não a desqualifica como porta-voz não de um grupo criminoso, mas dos 8 mil presos que cumprem pena em situação desumana nos presídios do Amazonas”, escreve o Holanda. “Espanta a incapacidade do governo Lula de explicar o óbvio- que Luciane Barbosa é uma cidadã, sem restrição de direitos, ao menos por enquanto, e que estava ali defendendo uma pauta legítima. Mas o governo é covarde e está entregando a mulher às hienas”, acrescenta.
Seja lá quais forem as consequências, é inegável que o fato ocorreu, o Estadão tomou conhecimento e divulgou. Não inventou nada. Entrevistou todos os envolvidos, cercou-se de todos os cuidados que se deve ter em trabalhos jornalísticos. Tanto que as autoridades do Ministério da Justiça e o próprio ministro, não desmentiram nada. A comprovação dos fatos também está nas imagens em que Luciane aparece com outras pessoas, inclusive com secretários do ministério. Esse é o papel do jornalismo.
Talvez o que falta explicar é sobre os resultados que Luciane conseguiu para a sua ONG.
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