Maioria dos brasileiros é pessimista nas redes sociais em relação ao amor, diz estudo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Declarações afetuosas nas redes sociais podem esconder um relacionamento que vive crises, além de camuflar a opinião da maioria dos brasileiros sobre o amor, que está ligada a emoções negativas. Essas são algumas das conclusões da pesquisa "Narrativas afetivas: como o brasileiro traduz o amor".
O estudo, conduzido pelas psicanalistas Carol Tilkian e Camila Holpert, apontou que os afetos negativos atravessam 46,4% das narrativas nas redes sociais sobre o amor, enquanto a felicidade está presente em 22,7% das vezes. O destaque para sentimentos como tristeza, raiva e medo surpreendeu as pesquisadoras.
"O senso comum diria que a internet é o lugar onde se finge que é feliz no amor. E hoje, Dia dos Namorados, há uma chuva de posts de casais felizes [nas redes]. Foi uma surpresa perceber o quanto a internet virou um espaço para expor as angústias e os desgostos sobre as relações amorosas", diz Tilkian, que é colunista da Folha de S.Paulo.
Para mapear os discursos sobre amor nas plataformas, as pesquisadoras usaram a ferramenta Cosmo, baseada em inteligência artificial, e revisaram os resultados. O estudo usou mais de 1,02 milhão de textos, escritos em 2023 e 2024 e publicados de forma espontânea no X, Bluesky, YouTube e portais de notícias.
A pesquisa identificou os oito principais grupos discursivos sobre o tema. "O amor dói" (25,6%) foi o primeiro. Holpert afirma que falar sobre isso em público tem a ver com a cultura brasileira, expressa até mesmo no ritmo musical da sofrência. Nesse grupo, estão os textos que falam diretamente sobre a dor, por exemplo, em situações de perdas e traições.
"Chamou a atenção o quanto, do volume total do que se fala sobre amor, é atravessado por tristeza, mesmo que não esteja diretamente associado ao sofrimento. Também tem um tanto de raiva", diz Holpert.
O segundo aspecto mais comentado foi a relação cotidiana entre casais (23,6%). Para Tilkian, "é interessante ver que tem um espaço de felicidade no dia a dia. São os pequenos rituais cotidianos, é o jeito que se entrelaça a perna no sofá, é a forma de passar o café". O cenário ainda tem, porém, tensões e brigas.
Os outros grupos mais comentados são "Coração em assembleia" (19%), sobre pessoas externas ao relacionamento, como família e amigos; "Casais de audiência" (9,3%), sobre demonstrações exageradas de afeto e idealizações; "Amor e tradição: o amor que segue o roteiro" (8,3%); "Amor dos superlativos" (8,1%); "Novas configurações do amor (4,1%)", como poliamor e relações abertas; e "Rebobinando amores" (1,9%), sobre nostalgia amorosa.
As autoras dizem que tiveram a ideia de fazer a pesquisa após se questionarem sobre o que e quanto se falava em amor romântico nas plataformas digitais. O estudo inaugura o projeto "Vamos falar de sexo?".
Para as psicanalistas, o pessimismo dos brasileiros no tema vem do eco das dores coletivas, que se multiplicam nas redes. Ainda segundo a pesquisa, um a cada três brasileiros fala de suas dores de amor usando deboche, ironia e piada.
Além da opinião das pessoas em suas redes, o estudo analisa a cobertura de portais de notícias sobre o assunto. "O amor é notícia quando é fofoca. Precisamos transformar o afeto em pauta. Não dá para o ódio, a agressividade e a violência serem pauta, mas a construção de vínculos não", diz Tilkian.
Na prática laboratorial, ela também percebe um maior pessimismo em relação ao amor. "As pessoas estão tão machucadas que já chegam com conclusões sobre o que aconteceu na relação. Elas não se dão a possibilidade de conversar com os parceiros, sejam companheiros de longa data, sejam novos namorados ou namoradas, e as relações são cada vez mais intermediadas pelas telas", diz.
Holpert explica que a ferramenta Cosmo lê o sentido dos discursos e permite a busca de textos associados ao tema analisado. A tecnologia surgiu em 2022, fundada por ela e Rafael Kenski, especialista em inteligência artificial. A curadoria humana sobre os dados é um dos requisitos do trabalho.

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