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Bairro boêmio vira 'rio': por que a Vila Madalena fica caótica quando chove

Por Folha de São Paulo

07/02/2025 18h30 — em
Variedades



SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Os transtornos causados pela chuva que levaram à morte de Rodolpho Tamanini Netto, 73, e transformaram a área turística do Beco do Batman em um rio se repetem na Vila Madalena ao longo dos anos. "A rua da casa dele sempre alagava. A gente tinha conversado com para que, no caso de acontecer algo assim, ele não descer para o térreo", disse Carlos Medina, sobrinho de Rodolpho, em entrevista ao UOL no dia seguinte à morte do tio.

"A Vila Madalena é quase uma caricatura dos problemas de São Paulo com a chuva", afirma Valter Caldana, professor de arquitetura e urbanismo do Mackenzie. "O bairro é completamente ondulado, composto por planos inclinados, além de ter várias nascentes e cursos de água", ressalta.

O temporal que atingiu a capital no dia 24 de janeiro, o terceiro pior da história da cidade, deixou um rastro de destruição no bairro da zona oeste. A água chegou a atingir três metros de altura na Vila Madalena, invadindo residências.

Caldana explica que as ladeiras do bairro aumentam a velocidade da água, que chega às partes mais baixas com mais agressividade e começa a se acumular. "Toda essa água vai para as bocas de lobo, depois à rede subterrânea. Chega nos cursos de água, que estão encapsulados, e correm para os rios Pinheiros, Tietê", diz o arquiteto e urbanista.

Porém, essa água da chuva não é drenada ao longo do caminho. "Imagine carros, sem freio de mão, descendo uma ladeira e chegando numa avenida já congestionada. Agora, substitua o carro por água e a avenida pelos rios. Os bairros são os cursos de água. Você tem um congestionamento e a água ocupa o espaço que um dia foi dela", explica.

Um vídeo de uma câmera de segurança mostra que o Beco do Batman inundou em apenas 17 minutos. A Prefeitura de São Paulo não informou ao UOL o acumulado de chuva na Vila Madalena e outros bairros da capital no mês passado.

INFRAESTRUTURA VERDE

A impermeabilização desenfreada na Vila Madalena, sem levar em consideração os cursos de água abaixo do solo, incentiva os alagamentos, explica o arquiteto e urbanista Sergio Ortiz. "É preciso encontrar meios dentro da estrutura do Plano Diretor da cidade para contornar essa impermeabilização, como o investimento em infraestrutura verde", defende o professor do Centro Universitário Belas Artes.

Essas estruturas sustentáveis ajudam na absorção da água, evitando alagamentos. Biovaletas - valas preenchidas com vegetação -, jardins e lagoas pluviais são exemplos de medidas que podem ser implementadas no bairro.

"São Paulo foi construída sem levar em consideração as condições naturais. Até por volta da década de 90, as construções na cidade não eram orientadas a reservar um espaço para área permeável. nesta sexta-feira (7), essa exigência existe, mas ainda é pequena", disse o arquiteto e urbanista Sergio Ortiz.

Na cidade de São Paulo, as taxas mínimas de permeabilidade exigidas por lei variam entre 15 e 30%, a depender da região onde o imóvel será construído.

Uma das medidas defendidas pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) para evitar enchentes na Vila Madalena é a construção do "piscinão". Procurada pelo UOL, a prefeitura informou que os estudos sobre o reservatório estão em fase de atualização. O município também disse que avalia a instalação de novos jardins na região do Beco do Batman e realiza limpeza constante das galerias pluviais do bairro.

"O piscinão tem que vir acompanhado de outras soluções", enfatiza Valter Caldana. "Pavimentação impermeável, arborização, canteiros. Talvez seja possível fazer um reservatório menor, causando menos impacto na comunidade", acrescenta o professor.

O piscinão virou alvo de ação do Ministério Público após questionamento de associação de moradores. Ainda em 2005, o grupo Amigos do Jardim das Bandeiras apontou o impacto urbanístico ambiental da obra. Em 2010, após uma licitação ser concluída, a Justiça decidiu barrar a obra enquanto a ação do MP não fosse julgada. Em 2024, a prefeitura foi autorizada a seguir com os trabalhos.

Nunes responsabilizou a falta do reservatório pela morte de Rodolpho Tamanini Netto. "Pararam, demoraram, procrastinaram e ninguém vai responder por isso? [...] Uma licitação é feita em 2010, entram com uma ação, [a Justiça] suspende e a gente só conseguiu derrubar no ano passado, daí acontecem todos esses problemas", disse, em entrevista coletiva no dia 29 de janeiro.

"Não é uma grande obra que vai resolver tudo. 'Tudo' em urbanismo é uma palavra muito difícil de ser usada porque a cidade é dinâmica. Essas grandes soluções deixam muita coisa de fora", disse o arquiteto e urbanista Valter Caldana.


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