O 'cara' da saúde que saiu atirando
O problema não é denunciar, que pode ser ao mesmo tempo conveniente e falso; o problema é escolher a hora que mais convém, e não a hora que mais protege o interesse público.
Coragem verdadeira não se mede pelo discurso de saída, mas pela postura firme no exercício do cargo. O resto é barulho ensaiado para plateia. Essa máxima, que parece óbvia, ganha atualidade diante de episódios em que gestores públicos, ao deixarem funções estratégicas, passam a disparar denúncias e acusações contra os mesmos grupos que integraram por anos.
No caso recente da saúde do Amazonas, um ex-dirigente, após três anos de comando em hospitais e fundações, resolveu gravar vídeos nos quais aponta nomes, acusa secretários, diretores e até o próprio governo de corrupção.
Promete apresentar provas, afirma ter resistido à pressão e sai como se fosse um paladino. Mas o silêncio durante 36 meses pesa mais do que a eloquência de despedida. Se havia corrupção, caberia a denúncia imediata, não a revelação tardia. Se havia provas, elas deveriam ter sido entregues aos órgãos de controle enquanto o gestor ainda tinha responsabilidades institucionais.
Ao optar pela fala apenas no momento em que se desvincula do cargo, o ex-dirigente transforma uma pauta grave — o combate à corrupção — em palco de narrativa política.
No fundo, troca a vigilância republicana por uma estratégia de autopromoção. O problema não é denunciar, que pode ser ao mesmo tempo conveniente e falso; o problema é escolher a hora que mais convém, e não a hora que mais protege o interesse público.
ASSUNTOS: Amazonas, Corrupção, saúde
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.