Marcha para Jesus em SP tem Tarcísio tietado e profusão de bandeiras de Israel
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A imagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), enrolado numa bandeira de Israel, após cantar um louvor evangélico e ganhar um "Parabéns pra Você" puxado pela bispa Sonia Hernandes, é uma boa síntese do que foi a 33ª edição da Marcha para Jesus.
Com lugar cativo no imaginário evangélico, a nação de maioria judia coloriu o evento desta quinta (19) de branco e azul, as cores de sua flâmula. A recente guerra deflagrada contra o Irã reforçou o apelo de Israel entre evangélicos, que o tem por terra santa e sinal de um retorno de Jesus iminente.
Aniversariante, Tarcísio foi tietado por fiéis já na chegada. No trio principal, ao lado do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça, pastor presbiteriano, entoou o louvor "Mil Graus", o mais popular da Renascer Praise.
O grupo é ligada à Renascer em Cristo, igreja do apóstolo Estevam Hernandes, que inaugurou a versão brasileira da Marcha em 1993. Em entrevista à Folha de S.Paulo na semana passada, o líder defendeu uma chapa presidencial que una Tarcísio e, de vice, Michelle Bolsonaro. Nunes seria idealmente candidato a suceder o governador no Palácio dos Bandeirantes.
A Marcha começou, como de praxe, nas ruas do centro paulistano e avançou até o Campo de Marte, na zona norte. Ali ficava um palco que recebeu influencers e cantores gospel, como Fernanda Brum e o ex-funkeiro Jottapê. Autoridades também foram recepcionadas, todas alinhadas à direita política, com exceção do ministro Jorge Messias (advogado-geral da União), que representou Lula (PT) no dia.
Tarcísio citou versículos bíblicos e impostou a voz tal qual um pastor. "Aleluia, não falei que ele prega?", disse o apóstolo Hernandes sobre aquele que chamou de "servo de Deus" e "governador mais simpático" do país.
Foi a deixa para Tarcísio, cotado para concorrer à Presidência em 2026 no lugar do inelegível Jair Bolsonaro (PL), fazer um agrado ao anfitrião. Ele sancionou, diante da plateia, uma lei que reconhece o Renascer Praise como patrimônio cultural do estado.
Filho de missionária evangélica, o católico Tarcísio é fluente na linguagem cristã. Mencionou Crônicas, livro do Antigo Testamento, e afirmou que a primeira Marcha para Jesus foi feita por Moisés.
"Quem quer se encontrar com a bênção aí, quer que se encontrar com a prosperidade?", disse para depois afirmar que este é o "dia da reconciliação", "para gente orar, se humilhar, se arrepender dos maus caminhos".
O prefeito Ricardo Nunes, em passagem breve, falou em "chuva de bênção" e foi chamado por Hernandes de "instrumento de Deus".
O batista Messias, raro quadro evangélico no alto escalão do governo Lula, não foi vaiado, como aconteceu na edição de 2023. Mas também não tocou no nome do chefe desta vez.
Contou que caminha há 40 anos com Deus e foi afagado pelo apóstolo. "A gente te ama também", disse Hernandes, aliado de Bolsonaro no pleito de 2022.
Lula liberou no mesmo dia uma carta em que exalta a Marcha como "ato extraordinário de fé coletiva", tocada por Estevam e Sonia, casal de "verdadeiros pastores do seu povo".
Também subiram no tablado o líder do PSD, Gilberto Kassab, o presidente da bancada evangélica, Gilberto Nascimento (PSD), e o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), alvo de gracejos da audiência ("chupa essa manga!").
Presidente do PL, partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto ganhou oração do apóstolo num momento posterior, junto com André do Prado, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo. Coube a Valdemar a fala mais abertamente eleitoral do evento.
Ele gritou "é PL 22, é Bolsonaro na cabeça", e parte do público reagiu com entusiasmo.
A voltagem política não eletrizou a multidão de modo geral, como é mais comum em anos eleitorais. O que empolgou mesmo foram as demonstrações públicas de afeto a Israel.
Vibrou quando Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil, disse que judeus têm "amor e gratidão" à comunidade cristã. Ou quando Gilberto Nascimento, líder da bancada evangélica, afirmou que, "se perguntasse aqui quantos amam Israel, todos amariam", após detectar um racha entre corintianos e palmeirenses entre os fiéis.
À Folha de S.Paulo Hernandes se referiu àquela porção do Oriente Médio como o "povo que nos deu Jesus Cristo", o que "gera um laço espiritual muito, muito forte pró-Israel".
Para a administradora Ana Paula Souza, 29, que acompanhava a Marcha do chão, "infelizmente está escrito que no final dos tempos teriam guerras", como a que se vê hoje no outro lado do planeta. Os bombardeios na região, afirma, são "a palavra de Deus se cumprindo".
Símbolos de Israel monopolizaram a Marcha, que teve duas curiosas exceções tremulando no ar: uma bandeira da Coreia do Norte e outra da Palestina. Dois leques gigantes, típicos de shows de drag queens, foram erguidos no meio da galera no fim da tarde.
Para o engenheiro José Ricardo Gusmão, 42, ambientes como o da Marcha fazem um bem danado à sociedade. "Veja a política. As pessoas desconfiam de quem está lá, de quem passou e de quem quer chegar. Por isso, eventos como este aqui são importantes. Fazem as pessoas crerem em algo maior e melhor."
Os dados religiosos do Censo 2022 mostraram um crescimento evangélico aquém do esperado. Essa é a religião de 26,9% do povo, quando se especulava que crentes já se aproximavam de um terço da população.
A aposentada Ana Aparecida Giacomini, 58, demonstrou certa irritação quando o tópico veio à tona. "A fé nunca diminui, só aumenta", afirmou a moradora de Cidade Tiradentes (zona leste da cidade).
Quando marchou, teve que encarar uma multidão que andava devagar à sua frente. "É muita gente. Você acha que está faltando gente com fé aqui?"

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