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Velho é o mundo!


Por Públio Caio

07/11/2025 18h53 — em
Públio Caio



Velho é o mundo! 
Da série “envelhecência”

 “O cabelo grisalho é uma coroa de esplendor, e obtém-se mediante uma vida justa”. Provérbio 16:31. 


“Os cabelos brancos e as rugas não conferem, por si sós, uma súbita respeitabilidade. Esta é sempre a recompensa de um passado exemplar” (Cícero) 

O escritor Mario Prata, em uma de suas crônicas diz: “Sempre me disseram que a vida do homem se dividia em quatro partes: infância, adolescência, maturidade e velhice. Quase correto, esqueceram de nos dizer que entre a maturidade e a velhice existe a envelhecência”. 

Ao psicanalista e sociólogo Manoel Tosta Berlinck atribui-se a criação deste neologismo, segundo ele, ao contrário do envelhecer, na “envelhecencia”, o sujeito se vê na contingência de ter de pensar sua velhice, ou seja, distingui-la do preconceito e do estigma para que possa ser vivida com um mínimo de dignidade. Esse trabalho de pensamento é, via de regra, um esforço solitário, que pode enriquecer o mundo interno do sujeito” que envelhece. 

Então, vamos pensar na velhice? 
Ancião, velho, idoso. Terceira idade, melhor idade, Quarta idade. São todos adjetivos e adjetivações referentes às pessoas que atingem uma determinada idade ou determinados processos biológicos e funcionais. 

Sabidamente, ninguém envelhece igual, tanto entre pessoas quanto entre sociedades e culturas, de modo que não se envelhece e nem se lida com a velhice de modo uniforme e universal. A realidade (inclusive nos consultórios de psicanalistas) nos mostra que a velhice não é algo de fácil aceitação e de simples compreensão, pois pode variar, dependendo da genética, da cultura, do meio ambiente, dos hábitos de vida, das condições socioeconômicas, etc, de tal sorte que ninguém envelhece igual nem se percebe velho do mesmo modo. 

Segundo algumas definições, existe diferença entre idoso e velho. 
Idoso, se refere a quem atingiu uma idade cronológica específica (sistema da datação) e é um termo neutro, respeitoso e normativo. 

“Velho”, por sua vez, pode ter uma conotação negativa, associada a declínio, falta de vitalidade, amargura ou rigidez, sendo muitas vezes um termo pejorativo. Mas certo é que todo idoso passa pelo processo de envelhecimento. 

Podemos classificar a velhice em quatro tipos: velhice censitária ou cronológica, a velhice social, a velhice biológica e velhice psicológica. 

A velhice cronológica varia entre os países, em especial, no ocidente, havendo culturas em que a idade não é critério para configurar a velhice. 

No Brasil, assim como pela definição da OMS – Organização Mundial da Saúde – a velhice é normativa. As pessoas acima de 60 anos são consideradas idosas, mesmo que tenham 40 cm de bíceps e tríceps e participem regularmente de maratonas, com 40 km de caminhada e corrida, tenha 800 de testosterona, para os homens, coisa que muitos jovens entre 20 a 40 anos não possuem nem conseguem realizar. E já existe muito idoso e idosa com esse perfil de “marombeiro” e “maratonista”. 

Algumas pessoas só se percebem idosas porque se tornam titulares de um cartão especial para estacionamentos ou porque possuem, no Brasil, a regalia de embarcar por primeiro nos aviões comerciais ou, ainda, porque já podem se aposentar. 

Essa classificação é, às vezes, complicada para ser aplicada, tanto que, no Brasil, em razão do aumento da expectativa de vida dos brasileiros e a razoável melhoria na qualidade do envelhecimento, criou-se, na prática, a terceira e a quarta idade: os de 60 anos para cima e os acima de 80 anos, como acontece nos aeroportos, quase uma tentativa de negar a condição de idoso às pessoas com 60 anos ou um pouco acima. 

Podemos observar, em alguns lugares, que a fila de idosos, por exemplo, em agências bancárias ou supermercados, é bem maior que as filas comuns, dado o crescimento do número de pessoas idosas, o que acaba sendo uma prioridade ineficaz. 

A velhice social é, na verdade, uma discriminação que se faz em relação ao idoso no que se refere à sua exclusão do processo produtivo e, às vezes, do convívio social, com restrições cada vez maiores em suas relações sociais. Outras vezes, é uma autodiscriminação, em que as pessoas se sentem incapazes de participar do processo de trabalho ou mesmo de manter relações sociais, sempre em razão de sua idade cronológica. 

O estigma presente nesta classificação, é visível no conceito de inativo, aplicado ao servidor público aposentado, denominação extremamente depreciativa, pois pelos dicionários, inativo não é um bom adjetivo. 

A velhice biológica, por sua vez, embora tenha influência da idade, diz respeito principalmente ao processo de envelhecimento do corpo e da mente (memória), que envolve o acúmulo de danos em células e tecidos, levando a um declínio funcional e ao aumento da vulnerabilidade a doenças. Isso depende muito da genética, de hábitos alimentares e estilo de vida, com ênfase para o sedentarismo. 

Por isso é possível encontramos pessoas acima de 60 anos em condições físicas bem melhor que pessoas de 50 ou 40, inclusive funcionalmente. 

A velhice psicológica, ao seu turno, diz respeito à percepção que o indivíduo tem da relação entre sua idade cronológica e sua capacidade cognitiva, de memória e de controle das suas emoções. É a relação corpo e mente, sentida e percebida pelo sujeito do envelhecer. 

Podemos ver este tipo de envelhecimento através de mudanças comportamentais, como alterações de humor, apatia, ansiedade, dificuldades de concentração, isolamento social, ou padrões de sono e apetite alterado. 

Por isso é comum falarmos “velhos jovens” e “jovens velhos”, exatamente quando analisamos certos comportamentos, notadamente o humor e as perspectivas de vida: há jovens mal-humorados, azedos, sem sonhos; há idosos extremamente alegres, brincalhões, espirituosos no humor e que ainda sonham. 

Kant diz, no Prefácio da primeira edição da Crítica da razão pura, citando o Padre Terrasson, que “se avaliarmos o tamanho de um livro, não pelo número de páginas, mas pelo tempo necessário a compreendê-lo, poder-se-á afirmar de muitos livros, que seriam muito mais pequenos se não fossem tão pequenos”, ou seja, um livro considerado grande seria aquele livro denso, complexo, que exige muito tempo e reflexão para ser absorvido, e um livro considerado pequeno, aquele que embora volumoso, seria de fácil compreensão. 

Assim também, há jovens que parecem ter vivido muito mais que certos idosos, bem como idosos que parecem não terem vivido nada. Há jovens que complicam a vida, e idosos que a tornam simples e leve. Idosos que de fato viveram muito no tempo e intensamente na existência. E idosos e jovens rabugentos, que se assemelham e estragam tudo. 

O tempo se relativiza no tempo. Basta ver as diferentes fases do desenvolvimento humano no transcurso do tempo. Uma criança, um adolescente e um idoso, há 60 anos, eram completamente diferentes dos que se apresentam hoje. 


Vejam esse exemplo. 
No dia 04 de agosto de 1960, um periódico de Manaus chamado Jornal do Comércio, noticiou que um ônibus invadiu a casa de Maria Oliveira, com 42 anos de idade, com a seguinte manchete: “Ônibus entrou na casa humilde e foi apanhar a velhinha de 42 anos”. Para aquela época, com expectativa de vida menor, quarenta e dois anos era considerada idade de idoso. 

O famoso poema de João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina” retrata situação semelhante: 
“Por onde andará a gente que tantas canas cultiva? Feriando: que nesta terra tão fácil, tão doce e rica, não é preciso trabalhar todas as horas do dia, os dias todos do mês, os meses todos da vida. Decerto a gente daqui jamais envelhece aos trinta nem sabe da morte em vida, vida em morte, Severina”; 

E prossegue: “Nunca esperei muita coisa, digo a Vossas Senhorias. O que me fez retirar não foi a grande cobiça; o que apenas busquei foi defender minha vida de tal velhice que chega antes de se inteirar trinta; se na serra vivi vinte, se alcancei lá tal medida, o que pensei, retirando, foi estendê-la um pouco ainda”. 

Nesses versos ele mostra, igualmente, que para aquela época e região, a velhice chegava aos trinta anos de idade. 

A expectativa de vida era de fato bem menor que hoje, mas tal não significa que a “existência” daquelas pessoas tenha sido menos intensa, menos “vida vivida” que das pessoas de nossos dias atuais. Sêneca explicou isso muito fácil: 
“Pois suponha que você pensou que uma pessoa que navegou muito e foi pega por uma tempestade assim que ela deixou o porto e, depois de ser carregado nesta e naquela direção, foi conduzido em círculos no mesmo curso por alternância dos ventos furiosos de diferentes quadrantes: ele não fez uma longa viagem, mas ele foi jogado por muito tempo” 

Existir por muito tempo não significa viver muito, do ponto de vita existencial e espiritual. Não significa “vida muito vivida”, mas, talvez, “vida existida”. 

Existem muitas pessoas perdidas que não sabem para onde conduzir suas vidas e, com isso, perdem tempo na vida, o tempo que lhes poderá fazer falta. 

Lembram do Gato de Cheshire, de Alice no País das Maravilhas? 

Depois que Alice perguntou a ele qual caminho deveria tomar para sair daquele lugar, o Gato lhe disse “depende para onde você quer ir”! Então Alice falou que não sabia para onde ir. Finalmente o Gato retruca: “para quem não sabe aonde ir, qualquer caminho serve”. 

Não. Qualquer caminho não serve. É preciso saber fazer escolhas certas. 
Sêneca diz que a vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Vida é tarefa, obrigações, vida é missão. 
E conclui: “Não julgues que alguém viveu muito por causa de suas rugas e cabelos brancos: ele não viveu muito, apenas existiu por muito tempo”. 

A poetisa Florbela Espanca, que na flor da sua vida, se suicidou com 36 anos de idade, expressou muito bem essa diferença entre a idade e o tempo verdadeiramente vivido, dizendo em seu poema “Pior Velhice”: 

“E dizem que sou nova… A mocidade Estará só, então, na nossa idade, Ou está em nós e em nosso peito mora?!…Tenho a pior velhice, a que é mais triste, Aquela onde nem sequer existe Lembrança de ter sido nova… outrora”… 

Portanto, embora a velhice seja uma realidade física é, também, uma construção social e psicológica e um processo esperado, previsível, com o qual precisamos aprender a lidar desde cedo e se não o fizemos antes, então, agora na plenitude da velhice, podemos nos valer da experiência suficiente que temos, para manifestarmos a consciência de nossa existência e saber tirar proveito desse tempo, até o fim da vida. 

Velho é o mundo, diz o adágio popular; nós, apenas, fazemos uso do tempo que nos é oferecido, cada um ao seu modo, administrando-o bem, com prudência, ou gastando-o perdulariamente. E como diz o poema de Frei Antônio das Chagas, “pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,quando o tempo chegar, de prestar conta, chorarão, como eu, o não ter tempo...”

E Sêneca encerra: “Ninguém devolverá seus anos, ninguém o restaurará ao que era antes. Uma vez principiada, a vida segue seu curso, não se elevará, e não te avisará de sua velocidade”. 

Cuide-se!

** O autor é Procurador de Justiça do MP/AM. Bacharel em Filosofia assíduo estudante de temas teológicos.

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