O PORTÃO VELHO
Um dia minha sobrinha Larissa Brasil perguntou no grupo de WhatsApp se alguém sabia onde encontrar um portão velho, antigo, para usar como decoração. Então fiz esse texto em resposta a ela. Uma metáfora para reflexão sobre a velhice.
Muitos passaram por ele, indiferentes. Alguns tantos, nele esbarraram e xingaram-no, como se ele tivesse sido colocado de propósito no meio do caminho das pessoas. Parece que elas nunca o haviam visto antes.
Crianças brincaram de escalar o mundo, subindo e descendo em seus emaranhados de ferro, em formatos de nota musical de sol maior. Certamente ele adorava quando isso acontecia.
Passou várias vezes por provações. Teve seu corpo raspado com espátulas, dezenas de vezes, e colocado sobre sua “pele” camadas de tintas sobre tintas. Já não sabia sua cor original, e nem mesmo se tinha “pele”, de tão grossa e descaracterizada que se encontrava. Olhando sua pele ele se percebia diferente de outros tempos: a velhice chegara.
Quando ele era novo, passaram sobre ele um tal “zarcão”, uma espécie de tinta marrom, para protegê-lo da ferrugem, garantindo uma “pele” saudável. Depois, nunca mais.
Maior parte do tempo de sua vida ficou trancado, com cadeado, e às vezes acorrentado.
À noite, sozinho, enquanto todos dormiam, ele permanecia guardando o sono dos inocentes, enquanto enfrentava chuvas, às vezes recebendo a urina de bêbados que por ali passavam.
Viu todo tipo de pessoas passarem por ele e testemunhou até mesmo muitos pecados.Raras vezes alguém lembrou de aliviar as dores de suas “artroses”, colocando um pouco de óleo nas suas dobradiças. Até que um dia, um “modernista” achou que o Portão já era Velho, antiquado, não servia mais. Deu o que tinha que dar. Precisava ser aposentado. Não era mais útil. Então foi arrancado, encostado no fundo de um depósito, onde outras velharias eram guardadas, sem comunicação, isoladas e sozinhas.
Como nos asilos, só lhes restavam recordações. Até que certo dia, “num certo asilo de portões”, um Portão velho banguê, esquecido pela vida, de repente se vê diante de uma chance de ser reinserido no conceito mercadológico de útil.
Uma jovem reclassifica, reconceitua valores, se torna amante de “vintage”, e busca encontrar um velho Portão para “decorar” um ambiente. Sim, não mais para as antigas funções, agora meramente decorativas.
Mas era a oportunidade para dar a vida aos dois, ao jovem que reconhecia um valor nas coisas antigas e ao Velho Portão, que redefinindo suas funções, era reinserido na vida, recebendo mais uma chance antes de ser levado em definitivo para o cemitério de ferro velhos.
E a esperança renasceu.
Esperamos que eles se encontrem.
** O autor é Procurador de Justiça do MP/AM. Bacharel em Filosofia assíduo estudante de temas teológicos.
ASSUNTOS: Públio Caio