Sobre gatos, cachorros e o Tribunal do Júri
- A “misoginia,” que fundamenta a reclamação disciplinar, por iniciativa do CNMP contra o promotor Walber Nascimento é um conceito equivocado para o caso em discussão, que se presta apenas á exploração da mídia.
As referências aos PETS são comuns. Eles estão em nossa casa, compartilhando nosso sofá, nossa cama, a mesa do café. São o assunto de conversas com amigos. O médico da família passou a ser um veterinário.
Os tempos mudaram mesmo. O que não mudou foi nosso desejo de ser chamado de “gatinho”ou “gatinha”. Um elogio doce, recheado de sensualidade e desejo. Mas o tempo passa e percebemos o óbvio: nossa semelhança com o animal que se tornou mais amigo, que vigiou nossa casa, passeou com nossos filhos, viajou ao nosso lado e envelheceu com a gente: o cachorro, a cadela… Somos cada vez mais parecidos com eles e eles com a gente.
Se cachorros e cadelas falassem e se xingassem, talvez a maior ofensa fosse o cachorro chamar a cadela de mulher e ela o comparasse a um homem.
Ou talvez não. Talvez entendessem como um gesto de afeto, um galanteio, assim como nós gostamos de ser chamados de “gatinhos” e “gatinhas”.
Essa interação de homem-animal é tão intensa hoje que não poderia ser ofensivo dizer que “minha cachorra é mais sensível que você”, ou que “você nem se compara com meu cachorro”.
Mas se tornaram ofensas que dinamitam a relação homem-mulher e que estão no dia-a-dia dessa intensa guerra dos sexos.
Essas divagações vêm a propósito de um debate no Tribunal do Júri, onde advogada e promotor travaram uma guerra de palavras. Foi quando o pet, a cadela, foi citado como exemplo de comportamento civilizado.
Não se pode censurar a advogada por ter se sentido ofendida.
Mas a misoginia que fundamenta uma reclamação disciplinar, por iniciativa do CNMP contra o promotor de Justiça parece que se traduz numa decisão precipitada. Afinal, se o membro do MP não conseguiu controlar suas emoções e o exemplo foi de fato infeliz, a ocorrência é banal demais para ser enquadrada como infração disciplinar.
O promotor quis demonstrar, de forma enviesada, que quem estava sendo julgado não era a vítima, mas dois réus e que a defesa, segundo ele próprio afirmou, tentava lograr uma tese de absolvição absurda. Aparentemente não quis falhar, foi além da questão jurídica, Invocou cachorros e cadelas? É irregular? Não.
Então, por que transportar essas emoções para outro campo jurídico que não o do tabuleiro onde esses jogadores atuam?
Estranha é a posição do presidente da Ordem dos Advogados Brasil, seccional do Amazonas, antecipando-se a um futuro pedido de ingresso na Ordem do promotor, em caso de aposentadoria: “esse tipo de conduta não vai permitir que ele exerça a função de advogar”. Tempos sombrios esses…
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.