O 'Caso Paulo Onça' e a ameaça à autonomia dos juízes no Amazonas
A decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas de investigar a conduta do juiz Fábio César Olintho, que revogou a prisão de Adeilson Duque Fonseca — acusado de agredir o sambista Paulo Onça durante uma briga de trânsito em Manaus — reacende um debate essencial ao Estado de Direito: os limites do controle institucional sobre o exercício da jurisdição.
Antes de entrar nesse assunto, delicado em sua origem, quero ressaltar o valor da amizade sincera e os reflexos em nossas vidas quando os amigos falham. E aqui entra mais uma vez o caso do sambista Paulo Onça, abandonado por cinco meses em um hospital e depois veio a falecer.
Os amigos de Paulo assistiram o seu declínio e sua morte em um hospital de poucos recursos em Manaus. Tinham o poder de fazer mais. Levá-lo, por exemplo, a um centro especializado em São Paulo.
Após sua morte cresceu a pressão desses grupos por justiça. Provocaram o Judiciário e a resposta foi um desastre do ponto de vista do estado de direito.
A prisão cautelar do acusado já durava seis meses e o juiz que interveio, colocando-o em liberdade, agora é investigado, o que o coloca sob suspeita. Mas esse desfecho expõe toda a magistratura. Viola a independência dos magistrados e deixa o cidadão cada vez mais descrente no Judiciário.
Não se trata de defender o agressor, mas de garantir a autonomia de um juiz de decidir, com base no que a lei permite, mas agora sob forte ameaça.
A decisão do juiz, proferida em 16 de junho, analisou as condições pessoais do réu — primário, com residência fixa, exercício de atividade lícita — e concluiu que os pressupostos da prisão preventiva não mais se faziam presentes.
Então, corretamente, a substituiu por medidas cautelares diversas, com o monitoramento eletrônico e proibição de contato com a família da vítima. Onde a irregularidade?
Ainda que pedidos anteriores de liberdade tenham sido negados, inclusive pelo STJ, o magistrado, com jurisdição plena, pode reavaliar a cautelar à luz da evolução do processo e de novos elementos. A negativa de liminar pelo STJ, não impede o juiz de primeiro grau de exercer sua função com autonomia.
A independência funcional do magistrado assegura o seu livre convencimento e não pode ser submetida à sindicância correcional por simples divergência de entendimento.
Divergências entre instâncias ou entre juízes não configuram, por si, erro ou desvio funcional.
Quando fundamentada, a decisão judicial deve ser respeitada como expressão legítima da autonomia do julgador.
É nesse cenário que se espera das entidades representativas da magistratura uma atuação firme em defesa da independência judicial.
O silêncio diante de medidas investigativas com potencial de constranger o livre exercício da função pode ser interpretado como sinalização de fragilidade institucional.
Defender o direito do juiz de julgar segundo sua convicção — desde que dentro da legalidade e com devida motivação — é, em última análise, defender o devido processo legal e a legitimidade do Poder Judiciário.
ASSUNTOS: Amazonas, autonomia judicial, juizes ameaçados, Manaus, TJam
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.