Erro judicial leva homem a passar 9 anos na prisão no Amazonas
O sistema de Justiça penal, estruturado para punir, funciona com uma lógica invertida, onde a palavra da suposta vítima basta para condenar o acusado.
A revisão criminal, prevista na Constituição como instrumento para corrigir erros judiciais, não é capaz de apagar as marcas de uma condenação injusta.
Recente decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas oferece um raro — e tardio — exemplo de correção no sistema penal.
Ao julgar procedente uma revisão criminal, as Câmaras Reunidas do TJAM absolveram um homem que havia sido condenado por estupro de vulnerável com base exclusiva na palavra da vítima, que tinha apenas 11 anos à época dos fatos. Em juízo, anos depois, a mesma vítima reconheceu que não compreendia o que dizia e se retratou. A Justiça, enfim, corrigiu o erro.
Essa correção, no entanto, chega tarde. O réu já havia sido condenado a 9 anos e 4 meses de reclusão. Já havia experimentado o peso da máquina de punir do Estado. Já havia sido exposto ao estigma social, moral e institucional que acompanha quem sofre uma condenação por crime hediondo.
Esse caso traz à tona uma distorção profunda: o sistema penal brasileiro ainda se mostra excessivamente dependente da palavra isolada da vítima em crimes praticados às escondidas, como os de natureza sexual, desconsiderando os riscos de erro, má interpretação ou indução.
O inquérito vira denúncia, a denúncia vira condenação — tudo com base em um único depoimento. A dúvida, que deveria beneficiar o réu, passa longe. E o princípio da dúvida em favor do réu se perde diante da lógica de punição a qualquer custo.
A revisão criminal, prevista na Constituição como instrumento para corrigir erros judiciais, não é capaz de apagar as marcas de uma condenação injusta. O tempo perdido, a honra destruída e o peso de um processo que desaba sobre o réu — quase sempre o elo mais fraco — deixam cicatrizes que o Estado não pode curar.
Pior: nosso sistema de Justiça penal, estruturado para punir, parece funcionar com uma lógica invertida, onde a palavra da vítima basta para condenar e o benefício da dúvida, que deveria proteger o acusado, é sistematicamente ignorado.
É preciso coragem institucional para reconhecer que o processo penal hoje favorece a acusação, fragiliza a defesa e consagra o desequilíbrio.
Corrigir isso não é ser conivente com o crime — é garantir que o Direito não se torne ele próprio uma forma de violência
ASSUNTOS: erro judicial
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.