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Carta ao delegado federal Humberto Freire


Por Raimundo de Holanda

15/09/2025 18h57 — em
Bastidores da Política


  • Prezado delegado federal Humberto Freire. O espetáculo de bombas no meio do rio não produz segurança: instaura um cenário de guerra, onde o maior derrotado é o próprio cidadão amazônida.
  • Do ponto de vista jurídico, o quadro é ainda mais incômodo. A legislação prevê apreensão, processo e alienação de bens, jamais a explosão como rotina.
  • Se o objetivo é salvar vidas, como o senhor afirma, é preciso começar por garanti-las em sua integralidade: moradia, subsistência, dignidade. Não há vida salva em meio a escombros flutuantes

“Enfrentar o garimpo ilegal é salvar vidas.” A frase, dita pelo senhor em entrevista à imprensa, sintetiza a narrativa oficial de combate ao garimpo. 

Mas a retórica de proteção ambiental que o senhor defende colide com a realidade das comunidades atingidas. Crianças e idosos em pânico, famílias inteiras desabrigadas, pesca inviabilizada pela contaminação da água e pelo medo de consumir peixes. 

O espetáculo de bombas no meio do rio não produz segurança: instaura um cenário de guerra, onde o maior derrotado é o próprio cidadão.

Mais grave: o ciclo é previsível. Destruição hoje, reconstrução amanhã. Sem alternativas de renda, sem políticas de regularização, sem programas de inclusão produtiva, o garimpo sempre retorna. E a repressão, ao se concentrar no pequeno extrativista, poupa os verdadeiros financiadores da cadeia criminosa. A miséria aumenta, a violência cresce, e a floresta continua ferida.

Do ponto de vista jurídico, o quadro é ainda mais incômodo. A legislação prevê apreensão, processo e alienação de bens, jamais a explosão como rotina. Quando o Estado ignora o devido processo legal, transforma a exceção em regra e legitima a arbitrariedade em nome de uma proteção ambiental mal calibrada.

Se o objetivo é salvar vidas, é preciso começar por garanti-las em sua integralidade: moradia, subsistência, dignidade. Não há vida salva em meio a escombros flutuantes. Só um Estado presente, estruturado e capaz de oferecer alternativas sustentáveis pode romper o ciclo. Explosões não substituem políticas.

O  entendimento da Defensoria Pública do Amazonas, em recurso atualmente em disputa, é contrário ao seu. Sustenta que a destruição de balsas por explosivos afronta direitos fundamentais e aprofunda a crise humanitária na região. É um olhar mais racional, mais humano, menos passional.

Não leve a mal. Entenda essa crítica como contribuição e indicação, real, de que a presença de garimpo na Amazônia é um problema social,  que não será resolvido com bombas.

Holanda.

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ASSUNTOS: Amazônia, explosão de balsas, garimpo ilegal

Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.