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Painel da Santa Ceia com pizza e diversidade se destaca em meio à guerra na Rocinha

Por Agência O Globo

18/10/2017 13h10 — em
Rio de Janeiro



RIO - Um Jesus negro, com cabelos no estilo black power abraça e acolhe 12 pessoas de diferentes religiões de vários países, entre eles Brasil, Rússia, Polônia, Alemanha, Itália, Egito e Nigéria. Elas simbolizam os apóstolos de Cristo durante uma Santa Ceia estilizada e modernizada, que emoldura uma parede da parte central da Rocinha, palco de uma violenta disputa por território entre traficantes. Trata-se de um símbolo de paz e união em meio à guerra que já dura um mês, pintado e grafitado pelo artista plástico Acme (do Universo Acme) na parede ao lado da entrada da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, que está prestes a completar 80 anos.

Acme (Carlos Esquivel, de 39 anos), que tem entre suas obras espalhadas pela cidade o grafite "Cidade Submersa", em frente ao AquaRio, na Orla Conde, fez a Santa Ceia moderna a convite da equipe de uma tevê alemã que veio ao Rio em busca de jovens membros de religiões diversas para que fizessem parte de um documentário sobre o tema. No Rio, o grupo gravou a história de vida de Elaine Ribeiro da Silva, de 13 anos, moradora da Rua Um, que estava na igreja em preparação para a eucaristia. Também relatou a história de um adolescente evangélico, da igreja Cristo Vive e morador do subúrbio do Rio. Ambos aparecem retratados no painel junto com jovens de várias partes do mundo, que também contaram suas histórias no documentário.

- Este painel foi feito a convite de uma tevê alemã para retratar a turma no lugar dos 12 apóstolos com um Jesus contemporâneo. Como as pessoas não sabem a cor de Jesus, fiz um negro querendo dizer que ele não tem cor, que pode ser negro, amarelo, pode ser branco. E ele está sendo retratado aqui como se estivesse numa Santa Ceia atual no Brasil, dentro de uma favela, que é um lugar humilde, assim como Nazaré também é considerada. Demorei seis dias para fazer usando uma técnica mista, com spray e com o acabamento no pincel - contou Acme, que foi indicado pelo produtor artístico Claus Ruegner.

Acme pincelou os rostos dos jovens estrangeiros a partir de fotografias mostradas pela equipe da televisão alemã. Já Elaine foi retrata no local e contou parte de sua história. Moradora de uma das regiões mais violentas da Rocinha, onde recentemente crianças foram fotografadas com os olhos vendados passando ao lado dos corpos de dois homens assassinados, Elaine diz já estar acostumada com os tiroteios.

- Já estou acostumada com isso tudo. Levo uma vida normal, tranquila. Estou no 6º Ano da (Escola Municipal) Camilo Castelo Branco, no Horto Botânico. Moro com meu pai, que é pedreiro, com minha mãe, que é doméstica, e com meu irmão. E gosto de morar aqui. Foi essa minha história que eles (da equipe de TV) registraram no documentário a meu respeito – contou a jovem.

O frei Sandro Roberto da Costa, pároco da igreja, recebeu os documentaristas em junho do ano passado. E lembra que todos estavam bastante empolgados e que ficaram entusiasmados com o resultado do trabalho na parede.

- Esse painel é simbólico. Traz para os dias de hoje o que poderia ter sido a Santa Ceia. Por que o que ela quer representar, e isso é o mais importante, é o significado de uma ceia, que é o de estar juntos. A ceia é um encontro de amigos, é uma celebração da vida, uma celebração da esperança, da amizade. Jesus fez a sua ceia com os seus 12 apóstolos e com algumas outras pessoas também, que eram as mais próximas, mais queridas dele. Foram convidadas, justamente, para o momento mais importante da vida dele, que era a sua despedida, por isso a Santa Ceia. É um momento também que ele institui a eucaristia, o pão e o vinho, seu corpo, seu sangue. É claro que esse quadro, essa pintura, não quer desvirtuar o ideal da Santa Ceia, mas ela quer, de um certo modo, e eu acho que o artista fez muito bem aqui, abrir essa linha de reflexão para o que seria hoje essa ceia. Seria hoje a modernidade de um encontro, de um estar junto em torno de uma mesa em busca de um ideal. Por que Jesus, na Santa Ceia, quis deixar para seus discípulos a mensagem mais importante que ele tinha: do amor, da partilha, do serviço ao próximo. Jesus aqui tem a cor do povo brasileiro. As estatísticas mostram que 70% do povo brasileiro é afrodescendente. Portanto, ele representa a cultura brasileira – refletiu frei Sandro.

A rever sua obra depois de um ano e quatro meses, Acme se entristeceu. Com o tempo, a parede onde a obra foi construída ficou trincada. O pároco disse que pretende consertá-la, que o pedreiro que fez a obra não usou o material adequado. Mas o próprio artistas deu início à restauração. Levou consigo alguns sprays e retocou as cores de algumas partes do painel.


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