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Nos EUA, policiais que matam vão para a Justiça comum

Por Agência O Globo

08/11/2018 3h21 — em
Rio de Janeiro



RIO - A violência policial é um dos grandes temas na sociedade americana: 1.147 pessoas foram mortas por agentes nos Estados Unidos em 2017, segundo a ONG Mapping Police Violence (Mapeando a Violência Policial). Embora não exista qualquer tratamento jurídico especial para policiais que matam em serviço no país, especialistas e entidades apontam para uma impunidade nesses casos. Para eles, a Justiça tende a fazer “vista grossa”. Por isso, há um movimento para que todo agente tenha câmeras em seu uniforme, a fim de evitar abusos.

— Não existe lei nos Estados Unidos que estabeleça que um policial seja tratado de maneira diferente de qualquer outra pessoa caso ele mate ou prejudique um cidadão — afirmou ao GLOBO o professor Joshua Dressler, especialista em justiça criminal da Ohio State University.

poucas punições

Mas, na prática, nem todos os policiais que matam respondem pelo crime. De todas as mortes do ano passado, apenas 13 resultaram em processos contra agentes, e somente cinco foram condenados. Dressler disse que há muitas críticas sobre a aplicação da lei para policiais, embora não exista uma Justiça especial, como a Militar no Brasil.

O professor destacou que há muitos casos em que promotores hesitam em processar policiais por considerá-los parte de suas equipes. Há também uma dificuldade de obter condenações nos casos em que vão a júri, principalmente em estados mais conservadores, que evitam criticar a força policial. E agentes não costumam ser responsabilizados por mortes acidentais.

— Existe uma doutrina de imunidade soberana que proíbe ação civil por homicídio causado por negligência. Assim, um policial que causa um acidente fatal durante uma perseguição de carro provavelmente está imune a ações civis. Se um espectador inocente morre num tiroteio, o policial, possivelmente, também não responderá a um processo civil, a menos que suas ações sejam tão imprudentes que caracterizem um desprezo depravado pela vida humana — afirmou Ian Bartrum, professor de direito criminal da Universidade de Nevada, em Las Vegas.

A violência policial no país tem tratamento diferente em cada estado. Apenas oito unidades da federação exigem que o policial alerte um suspeito antes de atirar. Uma decisão da Suprema Corte americana, de 1989, considera constitucional que um policial utilize força letal quando “razoavelmente” percebe um dano iminente e grave. Segundo especialistas, isso, junto ao fato de que os Estados Unidos possuem mais de 300 milhões de armas — uma média de mais de uma para cada adulto do país —, acarreta em um elevado número de mortes por policiais: em muitos casos, os agentes temem por suas vidas e atiram. E ONGs afirmam que, como cada município tem sua polícia, a seleção de agentes e o treinamento nem sempre são os mais adequados.

vítimas desarmadas

De acordo com o levantamento da Mapping Police Violence, 69% dos mortos por policiais em 2017 estavam desarmado ou não ofereceriam riscos. A ONG também alerta que pode haver racismo: os negros representaram 25% das vítimas, apesar de serem apenas 13% da população americana. Essa situação fez surgir, em 2013, um movimento nacional: o Black Lives Matter (Vidas Negras importam), depois de diversos casos de policiais brancos que mataram negros. Muitos protestos foram realizados por todo o país, alguns violentos. A frente inspirou movimentos em todo o mundo e fez surgir, inclusive, um contramovimento: o Blue Lives Matter, ou seja, vidas azuis importam, em referência à cor das fardas dos policiais.

José Miguel Vivanco, diretor da ONG Human Rights Watch, critica qualquer proposta de ampliação do excludente de ilicitude, algo que, segundo ele, fere tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário:

— Isso só ocorre com exércitos em momentos de conflitos e contra inimigos combatentes e prontos para atacar. Qualquer lei neste sentido legaliza e legitima as execuções extrajudiciais, ou seja, a barbárie, por agentes policiais. Não existe em nenhuma democracia de direito no mundo.


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