Dar avião de ultraluxo a Trump é 'coisa normal entre aliados', diz Qatar
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Duramente questionada nos Estados Unidos, a intenção do governo do Qatar de dar um avião de ultraluxo ao presidente Donald Trump foi defendida nesta terça-feira (20) pelo emirado do golfo Pérsico. "É uma coisa normal que ocorre entre aliados", disse o premiê Mohammed bin Abdulrahman al-Thani.
Segundo ele, o mimo avaliado em US$ 400 milhões (R$ 2,26 bilhões hoje) não implica lobby ou tentativa de comprar influência junto ao presidente americano, conhecido por sua atração pela opulência como seus empreendimentos imobiliários e gostos pessoais atestam.
"Eu espero que o povo nos EUA e mesmo os políticos de lá nos vejam como amigo, como parceiros, um parceiro confiável que sempre está lá para quando os EUA precisarem", disse Al-Thani em um fórum econômico em Doha. Os americanos operam uma de suas principais bases no Oriente Médio no país, em Al-Udeid.
Se há diversos gestos que se revertem em benefícios bilionários nas relações entre países, não há registro de os EUA receberem algo parecido com o Boeing 747-8I que Doha quer dar ao republicano que chegou a vistoriar a aeronave na Flórida em fevereiro.
A monarquia havia feito a proposta pouco antes da viagem de Trump ao Oriente Médio, na semana passada, causando uma saraivada de críticas. Na segunda (19), o Senado americano começou a apreciar uma proposta da oposição democrata que veta o emprego de aeronaves vindas do estrangeiro por presidentes.
O Ato de Segurança do Transporte Aéreo Presidencial foi apresentado pelo líder democrata na Casa, Chuck Schumer, e o debate acerca da medida deverá colocar a proposta qatari sob escrutínio público: mesmo republicanos aliados de Trump criticaram a ideia.
Doha ofereceu um 747-8I convertido no que a crítica não especializada chamou de palácio voador, um aparelho de 12 anos de idade que estava a serviço da família real do país.
Durante a visita de Trump ao Qatar, foram anunciados US$ 243 bilhões (R$ 1,37 trilhão) em novos negócios, incluindo uma grande venda de aviões e peças da Boeing para a companhia aérea local algo que veio a calhar em meio à crise com a China, que vetou a compra de material americano em meio à guerra tarifária do presidente, ora congelada.
Segundo o governo qatari, o negócio foi fechado porque a proposta da Boeing era melhor do que a de sua rival europeia, a Airbus, e nada teria a ver com os agrados a Trump. Eles levantam questionamentos éticos e técnicos, ambos de grande impacto.
A questão mais óbvia é a de conflito de interesses. Trump disse que seria "muito burro" rejeitar o presente e defende que ele não tem nada de ilegal. Sobrancelhas se levantam, contudo, quando os termos são esmiuçados: o avião seria entregue não ao governo, mas à Biblioteca Presidencial Donald J. Trump.
Há um precedente citado por Trump para isso, na forma do antigo Boeing 707 que está na instituição análoga ligada à memória de Ronald Reagan, presidente de 1981 a 1989. Mas ali o avião era americano e havia servido a diversas administrações.
Em resumo, a oposição e mesmo aliados do republicano dizem que ele está ganhando em caráter pessoal um avião para substituir o seu Boeing 757 pessoal, apelidado de Air Force Trump. O presidente nega isso.
Concorre para essa leitura do fato de que é impossível que o 747 qatari seja convertido em um avião com especificações de Air Force One a tempo de o republicano completar seu mandato, previsto para acabar em janeiro de 2029.
Em favor da troca dos dois modelos à disposição da Casa Branca há sua obsolescência, com 35 anos de uso, e o crescente alto custo de operação. Há quatro anos, o site The War Zone revelou por meio de lei de acesso a informações que a hora-voo custava o equivalente hoje a astronômicos R$ 1,2 milhão, sete vezes mais do que a de um 747 comercial.
Em 2018, no seu primeiro mandato, Trump havia concedido à Boeing um contrato para entregar dois novos aviões presidenciais. A empresa, enrolada em crises de outra ordem, atrasou brutalmente o processo e perdeu mais de US$ 2 bilhões (R$ 11,3 bilhões hoje), cerca da metade do contrato a preços fixos, no desenvolvimento e compra de dois 747-8I para a modificação.
Isso porque o processo é custoso e meticuloso: os aviões precisam ser transformados num centro de comando aéreo do governo e equipados com diversos sistemas de defesa, inclusive contra mísseis e com capacidade de resistir aos efeitos de explosões nucleares.
Os dois novos aparelhos, que devem substituir os modelos 747-200B nessa configuração. Eles ganharam o imaginário popular, estrelando até filmes de Hollywood. Na realidade, a designação Air Force One é dada a qualquer aeronave em que o presidente dos EUA estiver embarcado, mas o nome colou nos antigos Jumbos.
Aí entra o foco do ato proposto pelos democratas: Trump não poderia apenas receber o avião qatari e sair voando com ele, pois o luxo não vem os sistemas de comunicação e defesa. Aí cai também a alegação de que o avião seria "de graça".
A visita do republicano ao Qatar, país que chegou a ser objeto de bloqueio apoiado pelos EUA em 2017 devido a sua relação com o Irã, foi a primeira de um presidente americano em 23 anos.
Doha tenta ampliar sua influência regional, competindo com os sauditas e os emiratis, servindo de mediador para o conflito entre Israel e o Hamas o fato de abrigar parte da cúpula do grupo terrorista no exílio foi ignorado por Trump em sua viagem.

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