Vícios e excessos da Justiça do Amazonas
A "carta aberta" de Nélia Caminha aos desembargadores do TJAM expõe, indiretamente, uma estrutura inchada e dependente de pagamentos excepcionais para funcionar: gratificações, indenizações e bônus por desempenho que, somados, escapam do teto constitucional e das contribuições previdenciárias, sob a justificativa do “excesso de trabalho”.
A isso se soma o fato de que a população, além de financiar um sistema de justiça inchado e cheio de privilégios, ainda precisa pagar custas altíssimas para ter acesso à Justiça.
É o retrato de um Judiciário burocraticamente caótico, opulento e distante da sociedade.
O mais grave não é o conflito entre a presidente que sai e o que entra no comando do Tribunal de Justiça do Amazonas, e sim o que a contenda revela: que o Judiciário não está imune aos mesmos vícios que julga nos demais Poderes.
Clique para baixar arquivoA recente "carta aberta" da Desembargadora Nélia Caminha Jorge, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), dirigida a seus colegas magistrados e servidores, em resposta a declarações do atual presidente Jomar Fernandes, não é um simples episódio de discordância entre gestões. Trata-se de um divisor de águas na forma como o Poder Judiciário expõe (ou tenta ocultar) suas fragilidades internas.
De um lado, a ex-presidente defende sua administração destacando conquistas institucionais, como os selos Diamante do CNJ, o pagamento de passivos indenizatórios e o superávit de R$ 240 milhões deixado no FUNJEAM. Do outro, paira a acusação velada — feita pelo atual presidente — de que os cofres da Corte teriam sido deixados em situação comprometida.
Esse embate, por si só, abala a imagem pública de uma instituição que se pretende exemplo de equilíbrio, prudência e responsabilidade fiscal. Mas o mais grave não é o conflito, e sim o que ele revela: que o Judiciário não está imune aos mesmos vícios que julga nos demais Poderes — personalização da administração, falta de transição transparente, práticas remuneratórias questionáveis e pouca transparência efetiva perante a sociedade que o sustenta.
A carta de Nélia expõe, ainda que indiretamente, uma estrutura inchada e dependente de pagamentos excepcionais para funcionar: gratificações, indenizações e bônus por desempenho que, somados, escapam do teto constitucional e das contribuições previdenciárias, sob a justificativa do “excesso de trabalho”. A isso se soma o fato de que a população, além de financiar esse sistema via duodécimos mensais, ainda precisa pagar custas altíssimas para ter acesso à Justiça.
É o retrato de um Judiciário burocraticamente opulento, mas socialmente distante.
A pergunta que fica é: quem fiscaliza o Judiciário quando ele próprio falha em se autogerir? Quando um presidente afirma que herdou cofres vazios e sua antecessora responde com um inventário de realizações e números incompatíveis com essa descrição, o que se impõe não é um debate retórico, mas uma auditoria pública e transparente.
Não se trata de alimentar uma crise institucional — ela já está posta. O que se exige agora é maturidade institucional: publicação dos relatórios de transição, detalhamento das despesas com bônus e indenizações, plano real de reestruturação da força de trabalho e, sobretudo, respeito ao contribuinte, que banca toda essa engrenagem e segue à margem da decisão sobre como seu dinheiro é gasto.
ASSUNTOS: Nélia Caminha, TJam
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.