‘Pai, vou te processar’
“Vou te processar”. É comum ouvir essa “ameaça” todos os dias. Até mesmo em casa, quando se proíbe que um filho vá a uma "rave": “Pai, vou te processar”. É uma expressão inocente, de descontentamento, mas que exprime uma forte reação ao controle da casa e dos filhos pelos pais. Esse super empoderamento do Judiciário, que nasce na família, está na cultura do brasileiro, que vê nos tribunais a solução de todos os seus problemas.
E isso é grave porque contribui para esse perigoso desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos, no qual os poderes em tese se controlam, mas que no Brasil está pendendo apenas para um lado, empurrado por setores da imprensa e do próprio Legislativo.
O poder dos juízes é imenso. O Judiciário está atolado de demandas - da mulher que deseja viajar em vôo comercial com um coelho no colo ao descontentamento de uma condômina com o vazamento no apartamento do andar de cima.
E se torna muito mais grave quando os políticos - que têm a atribuição de criar leis - se insurgem contra medidas previstas na Constituição, mas que os desagradam porque favorecem a grupos antagônicos.
É o caso, por exemplo, dos partidos Rede e PSOL, que ingressaram no STF para anular ato do Executivo que estabelece perdão para o deputado Daniel Silveira. “Aceitar o perdão seria um atentado e um incentivo ao crime e à impunidade”, alegam os partidos, sem atentar que a medida está prevista na Constituição.
Mais perigosa é a proposta de decreto legislativo, para anular o indulto. Mexer na Constituição, como defende o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (que costuma jogar para a plateia), “aprimorando o instituto da graça e determinando critérios mais rígidos para a ação politica do presidente" , é transferir mais poderes para o Judiciário. E um Judiciário que, no caso específico de Daniel Silveira, está a julgar um caso que diz respeito à própria Corte e a seus ministros. Quer dizer, lá estão as vítimas e os julgadores do suposto criminoso.
Isso é ou não conspirar contra o sistema representativo? É ou não ignorar que o papel do presidente do Senado é zelar pela autonomia do Legislativo e lutar para restabelecer a harmonia entre os poderes. Sem confundir submissão com harmonia, rendição com a coragem que se espera dele e dos demais congressistas para tirar o país desse fosso institucional que só faz fortalecer os golpistas que estão em todas as esferas de poder.
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.