Minha mãe Anita e os dez filhos de Antônio
Minha mãe era católica. Tinha seu próprio mundo e uma maneira especial de ver a vida. Era um tempo de costumes diferentes. Ter muitos filhos significava mão de obra futura para ajudar na roça, oportunidade de produzir mais, construir mais. Mas não foi apenas essa percepção errônea de que ter muitos filhos ajudava a fazer a família forte que motivou Anita, minha mãe, e meu pai, Antônio, a produzirem dez filhos. Eles se amavam e gostavam de fazer amor. Uniam, assim, o útil ao agradável.
Enquanto morávamos no interior, tínhamos uma pequena fazenda na várzea de Itacoatiara, a coisa funcionou como planejado por eles. Os filhos iam para a roça, extraiam fibra da juta e cuidavam dos poucos bois
De vez em quando meu pai desaparecia do campo.
Estava em casa fazendo amor com minha mãe. Felicidade maior não havia. Família feliz.
O procurávamos e já na porta de casa ouvíamos sussurros que se misturavam ao canto dos pássaros. Aguardávamos até que alguém suspirasse num sopro de vida que se renova. Não que soubéssemos de fato o que faziam. Éramos garotos inocentes. Ainda pensávamos que cegonhas haviam nos trazido e colocados nos braços daquele casal. Mas vibrávamos com a satisfação em seus rostos, com a paixão que os unia e unia a todos nós.
Mas essa mundo quase fantástico acabaria.
Um dia os meus pais resolveram que era tempo de vir para a cidade, conhecer o progresso, colocar os filhos na escola, abandonar o campo. Venderam a pequena fazenda e nos colocaram em um pequeno barco rumo a Manaus.
Deixavam para trás um tempo de prosperidade e bonança. Aqui começa a saga da minha mãe, o desespero de meu pai em busca de emprego, o dinheiro da venda da fazenda que se esgotou rapidamente. Meu pai acabou morrendo, depois de passar por varias ocupações - de carpinteiro, pedreiro e mateiro. Tornou-se um homem amargurado e distante até o último dia…
Só, com nove filhos vivos, Anita segurou a onda, manteve as meninas na escola e os meninos em uma profissão, mas a vida era difícil.
De repente os anos haviam passado, os meninos viraram homens; as meninas, mulheres feitas, formadas. Um dia Anita deu adeus. Era uma guerreira. Deve estar fazendo amor com meu pai noutra vida, em outros mundos, produzindo filhos de luz. Lembranças de você, minha mãe…
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.