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Depois de matar e ficar preso 8 horas, motorista bêbado vai para casa


Por Raimundo de Holanda

21/06/2022 21h02 — em
Bastidores da Política



Não foi uma semana de boas notícias para a família de Francisco das Chagas Ribeiro Cavalcante, morto por um bêbado (Elias Araújo Leite), dirigindo um Jipe em alta velocidade no domingo em Manaus. Na tentativa de fuga, ele bateu outro carro e feriu gravemente um cadeirante. O sorriso nos lábios de Elias, com vídeo e fotos divulgados após ser preso, contrastava com a surpresa, a dor e as lágrimas  de  amigos que acompanhavam Francisco. Aquele sorriso maroto de Elias era a expressão mais contundente de desprezo pela vida.

Depois... bem essa é a história da justiça. Levado à audiência de custódia nesta segunda-feira, foi colocado em liberdade mediante pagamento  de fiança. A decisão judicial chocou a família da vítima, mas o sistema de justiça funciona assim – a regra é a liberdade – gostemos ou não.

O que precisa ser esclarecido é que o processo começa a  correr no tribunal e ao final Elias pode ser condenado até a 8 anos de prisão, fora as ações por dano na esfera cível que a família da vítima pode mover contra o acusado, requerendo indenizações, pensões para os filhos menores que Francisco deixou e para a viúva.

Não era assim que funcionava até janeiro de 2015. Era cadeia e pronto, prisão imediata e condenação processual. As audiências de custódia, implantadas pelo Conselho Nacional de Justiça em fevereiro daquele ano, privilegiaram a liberdade com medidas cautelares – como perda da carteira de habilitação para crimes como o que estamos abordando, proibição de se aproximar das vítimas ou das famílias enlutadas, etc...

O crime cometido por Elias tem natureza cautelar, exigiu a participação do Ministério Público (na audiência de custódia), que aliás opinou pela liberdade do acusado. A fiança de 20 Salários Mínimos foi logo paga: R$ 24.422,00. Elias tinha a grana, mas se não tivesse também estaria em liberdade.  

Decisão de 2019 do ministro do  STJ, Sebastiao Reis Júnior, dando provimento a habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo sobre prisão de homem que tentou roubar R$ 500 e permanecia preso por não poder pagar fiança, é bem clara:

“Não é razoável manter o paciente custodiado apenas em razão do não pagamento da fiança, especialmente quando se alega a impossibilidade de fazê-lo...  Sob essa moldura, deve-se reconhecer a ilegalidade, haja vista a impossibilidade de manter alguém preso em razão da incapacidade de pagar a fiança”, 547.385.2019.0350940

Pois é, dia triste para familiares e amigos de Francisco. Mas ninguém foi inocentado. De certa forma, as medidas cautelares impostas pela juíza  são penosas. É como se Elias ficasse agora com uma espada no pescoço, o que vai lhe tirar o sorriso do rosto por muito tempo.  Até o dia do julgamento que pode coloca-lo atrás das grades por até 8 anos.

É o que se espera de um sistema de justiça que tem falhado muito, contaminado por vaidades  e por exibições indevidas, sem que seus representantes se deem conta dos excessos que cometem.

Maus exemplos que veem do andar de cima...

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Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.