Professor Jacob Mchangama vê risco à democracia em condenação de humorista
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para Jacob Mchangama, estamos vivendo um período de recessão. Só que ele não fala de finanças nem de desemprego, mas de liberdade de expressão. O professor dinamarquês, especialista no assunto, é diretor da The Future of Free Speech, think tank localizado na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos.
E embora Mchangama não seja um expert em Brasil, o país vem oferecendo a ele constantes substratos para o seu objeto de estudo. Ele está em São Paulo nesta semana, onde palestra na masterclass "Liberdade de Expressão", da Faculdade Belavista e Instituto Sivis. Na quinta-feira (17), ele lança a versão em português de seu livro "Liberdade de Expressão: de Sócrates às Mídias Sociais".
A reportagem indagou o pesquisador sobre a condenação do humorista Leo Lins a oito anos de prisão e sobre as chamadas leis anti-Oruam, que tentam barrar financiamento público a artistas que façam apologia do crime ou de uso de drogas.
"Perseguir artistas é um sinal de perigo, porque a expressão artística é uma espécie de válvula de escape da sociedade. É uma maneira de as pessoas expressarem ideias, algumas delas deliberadamente provocativas", diz o professor.
Um espetáculo fazer com que seu autor seja mandado para a prisão, no entanto, é um passo além, na visão de Mchangama.
"Acho que nunca vi, nem mesmo na Alemanha, por exemplo onde o uso de símbolos nazistas ou declarações antissemitas são puníveis por lei alguém receber uma pena de oito anos", diz Mchangama. "Ver um comediante de stand-up ser condenado a oito anos de prisão me parece realmente chocante, algo que eu não esperaria ver em nenhuma democracia."
"É um sinal extremamente perigoso, enorme", diz. "Mas está alinhado com essa tendência geral de expansão das leis contra discurso de ódio e ofensa ao redor do mundo. E como essas leis são, por definição, bastante nebulosas e subjetivas, elas têm um risco inerente de serem usadas como arma contra grupos específicos, dependendo da sociedade."
Na mesma linha, o pesquisador condena os esforços de barrar financiamento público a artistas sob a justificativa de incitação do crime, como é o caso dos projetos de lei ao redor do Brasil que se colocam como "anti-Oruam", rapper carioca filho do traficante Marcinho VP.
Para o dinamarquês, o poder público adotar explicitamente uma política de não fornecer financiamento a artistas que são críticos ao governo, ou que defendem certas bandeiras, é um caso bastante claro de censura, "porque você está punindo um artista por expressar pontos de vista específicos que o poder público não aprova", diz.
Para ele, fazer um rap sobre violência não é sinônimo de crime. Se o artista cresceu numa favela ele pode estar apenas relatando as experiências que viveu, por exemplo. Essas experiências podem não ser agradáveis, diz Mchangama, mas servem como uma espécie de alerta "é isso que está acontecendo nas partes do país que vocês, em geral, não querem discutir, que não foram priorizadas".
A metáfora, tão importante na expressão artística, tem sido escanteada, concorda Mchangama.
"Acho muito perigoso quando o Estado insiste que a expressão artística só pode ser entendida de uma maneira específica dando a interpretação menos generosa possível a uma letra que foi escrita de forma ambígua e metafórica", diz. "Se você impõe uma fórmula legalista e rígida à expressão artística, isso sufoca o espírito humano e a criatividade."
Para Mchangama, muitas das formas de arte que hoje celebramos como exemplos de genialidade são expressões artísticas que, até pouco tempo atrás na história humana, "seriam severamente punidas e restringidas", diz. "Eram vistas como totalmente contrárias ao funcionamento adequado da sociedade, ou como algo que corromperia a juventude, enfraqueceria a coesão social ou levaria ao crime."
Talvez esse tipo de arte seja mais como um espelho, diz. "E eu acho que é muito melhor ter esse espelho, esse reflexo, que permite às pessoas pensar sobre realidades do seu país que nem sempre são agradáveis."
LIBERDADE DE EXPRESSÃO: DE SÓCRATES ÀS MÍDIAS SOCIAIS
- Quando Lançamento da versão brasileira nesta quinta-feira (17), às 20h45
- Onde Faculdade Belavista (R. Cardeal Arcoverde, 563, São Paulo - SP)
- Editora Instituto Sivis
ASSUNTOS: Arte e Cultura