Obra de Carlito Carvalhosa é revista em minúcias em livro completo sobre o artista
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há quatro anos, a pesquisadora em artes visuais Lúcia Stumpf encheu uma mala com cadernos de rascunho de Carlito Carvalhosa, nome central da arte contemporânea brasileira, e partiu para Nova York. Lá, encontrou com Luis Pérez-Oramas, curador que acompanhou de perto o trabalho de Carvalhosa por mais de uma década. A dupla se debruçou no material para começar a organizar um livro sobre a carreira do artista.
O processo era o reconhecimento das quatro décadas da rica produção de Carvalhosa que levou sua verve experimental para pinturas, esculturas e instalações, sendo um dos únicos brasileiros vivos a expor no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York e também uma homenagem ao artista, morto em decorrência de um câncer em 2021, com apenas 59 anos. Agora, quatro anos depois, o livro está pronto.
Intitulado "Carlito Carvalhosa", o volume recém-lançado pela galeria Nara Roesler, que representa o artista, é o livro mais completo já feito sobre o seu trabalho. A pedido de Carvalhosa, que antes de morrer encarregou Stumpf e Oramas de organizarem a obra, os pesquisadores reuniram seis ensaios sobre a produção do artista ilustrados com dezenas de imagens de suas obras, de seus momentos no ateliê e nas galerias e museus que expuseram seu trabalho.
Isto é o que livros definitivos de artistas costumam trazer, claro, mas aqui há uma diferença. Nos textos, como no de Stumpf, os teóricos conectam os esboços e anotações de Carvalhosa com a produção, mostrando como as ideias do artista nasciam e se desenvolviam na escrita antes de se materializarem.
Há tanto estudos de projetos não realizados, como a ocupação da Capela do Morumbi, quanto de outros que saíram do papel, a exemplo da instalação "Sala de Espera", uma de suas mais célebres, em que ele criou uma "floresta deitada", como definiu, no espaço expositivo do Museu de Arte Contemporânea da USP.
Stump diz que o artista guardava cadernos de anotações desde os anos 1980, quando fazia parte do ateliê de pintura Casa 7, momento no qual seu nome começou a circular. "Ele agiu a vida toda consciente dessa catalogação de si, criou o arquivo com o sentido de posteridade", afirma a pesquisadora, acrescentando que Carvalhosa tinha em seu acervo até mesmo as cartas que enviava, que copiava no mimeógrafo antes de levar aos Correios.
No texto de Oramas, que trabalhava como curador de arte latina no MoMA quando Carlitou expôs no museu a sua monumental instalação "A Soma dos Dias", em 2011, o pensador encaixa o trabalho do paulistano na história da arte brasileira. Oramas argumenta que o artista, ao abraçar o experimentalismo, propôs "uma leitura transformadora da tradição moderna, abriu novos caminhos para a arte, que a modernidade fechou".
Um exemplo disso, cita Oramas, é "A Soma dos Dias', obra que seria uma extensão dos penetráveis de Hélio Oiticica. A instalação também montada na Pinacoteca, em São Paulo, recobriu o ambiente com amplos panos brancos esvoaçantes, criando um ambiente no qual o espectador podia entrar. O trabalho estabelecia um diálogo com a arquitetura, área de formação original de Carvalhosa, e se completava com alto-falantes que reproduziam os sons captados no espaço aos longo dos dias daí seu título.
Ao ser questionado se Carvalhosa pensava no público ao criar seus ambientes de tecido ou troncos ou se sua preocupação era antes de tudo formal, Oramas afirma que as instalações do artista "contém o espaço e, obviamente, o primeiro que sente esse efeito é espectador eu não estou no espaço onde eu acreditava estar".
No livro, é possível compreender a evolução da obra de Carvalhosa. Ele pintou sobre tela e sobre espelhos, fez séries com encáusticas na madeira, esculturas de cera, de gesso e de porcelana sanitária, além de explorar o uso de materiais como copos e luzes brancas, numa eterna curiosidade por avançar os limites da arte.
Oramas destaca que o artista assim como outros de sua geração, a exemplo de Nuno Ramos e Rodrigo Andrade começou a produzir na época em que o Brasil saía da ditadura e retomava a democracia. Questionado se esta mudança influenciou a obra de Carvalhosa, ele faz uma relação da abertura política com a criação das pinturas.
"A ênfase que eles encontraram na gestualidade pictórica é proporcional à uma renovação da liberdade", diz, acrescentando que durante muitos anos os artistas tiveram que utilizar estratégias sub-reptícias por conta da censura ou porque não havia uma audiência plena para as obras devido ao contexto de repressão.
Mas a partir dos anos 1980 o cenário ficou diferente. "Era uma liberdade gestual, uma abertura para o acidente."
CARLITO CARVALHOSA
- Preço R$ 190 (384 págs.)
- Autoria André Lepecki, Bernardo Mosqueira, Daniel Rangel, Geaninne Gutierrez-Guimarães, Luis Pérez-Oramas e Lúcia K. Stumpf
- Editora Nara Roesler Books
- Link: https://shop.nararoesler.art/produtos/carlito-carvalhosa1/
- Organização Luis Pérez-Oramas e Lúcia K. Stumpf
ASSUNTOS: Arte e Cultura