Cineasta Emmanuel Mouret questiona a natureza dos sentimentos em novo filme
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nem sempre é fácil entender o que sentimos por alguém. Paixões vêm e vão e o amor continua sendo um dos grandes mistérios da vida. Entre desencontros e desilusões, Emmanuel Mouret parece ter se especializado em brincar com relacionamentos humanos.
De experimentos como "Laissons Lucie Faire!" longa em que ele mesmo vive um espião dividido entre a vida romântica e a profissional ao aclamado "Amores Infiéis", de 2020, o cineasta ficou conhecido por contos irônicos repletos de segredos, traições e triângulos amorosos. Em "Três Amigas", que estreia nesta quinta (19) e foi exibido no último Festival Varilux, ele volta a transformar o cinema em palco irônico para estudar os apaixonados.
"O cinema questiona a origem dos sentimentos. Obviamente, todos os sentimentos são verdadeiros, pois os sentimos. No entanto, o que alguns filmes ou romances sugerem é que os sentimentos são provocados por construções narrativas. La Rochefoucauld [filósofo do século 17] dizia que não poderíamos nos apaixonar sem ouvir falar do amor. Como não ouvir falar, já que nos falam sobre isso desde o nascimento?", afirma Mouret, que acredita sermos definidos por nossos causos e experiências pessoais.
Da participação de narradores às cenas que se passam em exposições ou bibliotecas, os projetos do diretor usam a metalinguagem e seus personagens costumam reconhecer que estão dentro de um filme. Na nova comédia, quem situa o espectador é o morto interpretado por Vincent Macaigne, artista recorrente nos trabalhos do francês.
O pobre coitado volta do além ora em carne e osso, ora apenas enquanto voz da razão pouco depois de deixar a esposa, Joan, vivida por India Hair, viúva. Este spoiler é revelado logo nos primeiros minutos, quando conhecemos a protagonista e a crise que a atormenta: ela não sabe dizer o que realmente sentia pelo marido.
Com suas próprias dúvidas e seduzidas pelo adultério, as melhores amigas, Alice e Rebecca, papéis de Camille Cottin e Sara Forestier, não estão entre as melhores conselheiras, e o trio pena em resolver as emoções mais inconscientes.
"É a primeira vez que um dos meus personagens morre. Ao matá-lo, percebi que a figura dos fantasmas, no cinema, corresponde a uma realidade psicológica. Os mortos não morrem para os que ficam, eles permanecem em nossas mentes. E então achei divertido que um deles nos contasse a história. Achei interessante também que sua relação com o amor tenha mudado. Ele diz algo que me diverte: quando morremos, terminamos nossa psicanálise", brinca Mouret.
Guiado especialmente por diálogos, o cineasta tem apego a planos longos. Em determinado momento de "Três Amigas", vemos o declínio do casal principal. Amado e amada andam por sua casa e discutem em vários cômodos. Nas paredes, aparecem espelhos, o quadro de uma enorme tempestade e outros símbolos da fragilidade entre os dois. Tudo acontece sem nenhum corte, técnica que se tornou mais popular, recentemente, com o sucesso da série "Adolescência".
"Os planos-sequência permitem uma grande variedade de relações entre os atores. Em um mesmo plano, podemos ver os atores de perto, de longe, de costas, de perfil, juntos, separados e fazê-los desaparecer ou aparecer. A ideia é que o espectador se torne uma figura ativa, pois o rosto dos atores nem sempre está lá. Gosto que o público tenha que esperar ou procurar os rostos."
Os cenários escolhidos pelo diretor também sugerem outra forma de se explorar o tempo. Durante uma viagem secreta, ao alinhar expectativas com seu amante, Rebecca passeia numa caverna e visita antigos monumentos. É ela, ainda, que faz bicos como assistente em um museu local e passa tardes entre estátuas, pinturas e outros tipos de relíquias.
Na rotina de Joan e sua filha, a preferência é pelas salas de cinema. As projeções parecem uma ocasião segura para a dupla esquecer de seus problemas e confidenciar risadas ao ritmo de clássicos como os de Buster Keaton.
"A vida dos homens é curta, mas a vida do Homem é mais longa. Nós herdamos histórias e, especialmente para os que fazem filmes, herdamos filmes do passado que nos dão vontade de fazer filmes. Herdamos e, ao mesmo tempo, transmitimos. Na Europa, também herdamos muito de um urbanismo antigo. Gosto desse sentimento de um passado que nos precedeu", explica Mouret.
Mesmo que as amizades e os amores do longa desafiem a moral parte das aventuras sexuais envolve o caso entre Rebecca e o marido de Alice, sempre há como rir das situações.
Seja pelas mentiras que as amigas contam entre si ou pelo aplicativo de relacionamentos movido por inteligência artificial, o francês tira sarro de nossas tentativas de compreender a natureza. Sobre o último, entretanto, ele afirma não ter pensado num comentário maior sobre essa tecnologia que tenta imitar o homem.
"É só uma piada! Não sei se a internet está integrada aos meus filmes. Acredito mais que fazer filmes pode ser uma forma de resistir a uma certa agitação online", diz Mouret.
"Diante das informações que são distribuídas em alta velocidade e com muito barulho, podemos fazer filmes sem informações, filmes que constituem espaços-tempo para duvidar, para tentar redescobrir a estranheza do mundo, de nossa existência e até de nossos sentimentos."
TRÊS AMIGAS
- Quando Estreia nesta quinta (19) nos cinemas
- Classificação 12 anos
- Elenco India Hair, Camille Cottin e Sara Forestier
- Produção França, 2024
- Direção Emmanuel Mouret

ASSUNTOS: Arte e Cultura