PM mata a tiros homem que saía do trabalho em SP ao confundi-lo com ladrão, diz polícia
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um policial militar de 35 anos foi preso em flagrante na noite de sexta-feira (4) após matar um homem de 26 anos na estrada ecoturística de Parelheiros, na zona sul de São Paulo. Ele foi autuado por homicídio culposo, pagou fiança de R$ 6.500 e responderá em liberdade.
Segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública), o policial Fábio Anderson Pereira de Almeida, que estava de folga, teria confundido o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, um homem negro que trabalhava em uma fábrica de camas, Dream Box, com um assaltante. A vítima havia acabado de sair do trabalho e estava a caminho de um ponto de ônibus. Ele carregava carteira, celular, um livro e uma marmita.
Antes, segundo o boletim de ocorrência, o agente havia reagido a uma tentativa de roubo por um grupo de motociclistas, às 22h35. Ele fez disparos para dispersar os suspeitos. Um deles teria deixado a moto no local.
Uma testemunha que estava próxima ao PM contou, ainda de acordo com o registro, ter visto quando ele atirou em Guilherme, que se aproximava da motocicleta caída no chão, uma Honda CBX 250 Twister de cor azul. Ainda segundo essa testemunha, o agente atirou afirmando que tinha certeza que Guilherme estava envolvido no assalto.
Guilherme foi morto com um tiro na cabeça, pelas costas. De acordo com o boletim de ocorrência, foi verificada no corpo uma lesão perfurocontusa que perfura e contunde ao mesmo tempo na região da cabeça, atrás da orelha direita.
Procurada, a defesa do policial afirmou que ainda não vai se manifestar.
Almeida foi afastado das ruas e fará trabalho administrativo, segundo a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele fará companhia a outros dois PMs do mesmo batalhão afastados após a morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, em novembro passado.
Os três atuam na 2ª Companhia do 12° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, com sede na Vila Mariana, na zona sul da capital.
Nas redes sociais, a família de Guilherme pediu justiça e disse estar indignada por ele ter sido confundido com um criminoso.
Em nota, Mauro Caseri, ouvidor das polícias de São Paulo, afirmou que Almeida desrespeitou protocolos da corporação e agiu com dolo. "Procedimento da PM determina três estágios nestes casos: identificar, decidir e agir. O policial desrespeitou essa sequência, agindo antes de identificar, vitimando mais um inocente, num crime de natureza dolosa, que feriu de morte, com um tiro pelas costas, o trabalhador negro, deixando ferida ainda mais uma pessoa, numa clara demonstração de que não se 'mata por engano'."
No local da morte, um colega de trabalho na empresa se apresentou aos policiais civis e afirmou que Guilherme havia acabado de sair do trabalho em uma rua próxima. Funcionário do RH, ele disse ter os registros que atestam que a vítima batera o ponto de saída às 22h28, além de mostrar fotos e vídeos no celular que mostram a saída do rapaz da empresa naquela noite.
Ainda segundo o boletim de ocorrência, no momento em que levou o tiro, Guilherme corria para pegar o ônibus. Ao sair do trabalho, ele registrou no status no WhatsApp o horário em que bateu o ponto após o final do expediente: 22h28.
"Os elementos apurados e o cenário encontrado no atendimento de local de crime, no entanto, indicam que Guilherme não seria um dos criminosos e se aproximava com relativa pressa para se dirigir ao ponto de ônibus, situado cerca de 50 metros do local onde foi atingido", escreveu o delegado Kaue Danillo Granatta, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), que estipulou o valor da fiança para Almeida.
Um funcionário da empresa, que pediu para não ser identificado por medo de represálias, presenciou, em parte, a ação que resultou na morte.
Ele disse que saiu da empresa cerca de dez minutos após o grupo de funcionários em que estava Guilherme e fez o mesmo caminho, andando em direção a um ponto de ônibus na estrada Ecoturística de Parelheiros.
Gravações de câmeras de segurança mostraram quatro pessoas andando juntas na rua José Roschel Rodrigues, endereço da fábrica, na direção do ponto de ônibus. Era exatamente 22h30, dois minutos depois de Ferreira registrar sua saída e cinco minutos antes do horário de registro da ocorrência.
É comum que os funcionários andem em grupos até o ponto de ônibus ao deixar o local à noite, segundo moradores do bairro e colegas, devido à iluminação insuficiente da rua e o histórico de assaltos nas redondezas
Ao chegar na estrada, a cerca de 800 metros da empresa, esse funcionário que pediu para não ser identificado viu uma viatura da PM, faixas de isolamento, o trânsito parado e pessoas no chão.
Deillan Ezian da Silva Oliveira, 21, colega de trabalho que havia saído da empresa junto com Guilherme, estava de bruços e algemado. O corpo do marceneiro estava ao lado do colega, mas não foi reconhecido inicialmente.
Colegas de trabalho também relataram aos policias que Deillan havia acabado de sair da empresa. Mostraram inclusive fotos do relógio de ponto assim como Guilherme, o funcionário detido também havia registrado saída às 22h28 e publicado a imagem do equipamento em seu perfil no WhatsApp.
Eles ouviram dos policiais que o funcionário era suspeito de roubo e que havia sido reconhecido por Almeida. Essa conversa foi registrada no boletim de ocorrência.
O funcionário algemado no chão contou que logo após o disparo o PM teria ordenado que ele ficasse deitado e o ameaçou de morte. Ele teria ficado cerca de três horas no asfalto ao lado do cadáver do amigo, segundo um dos membros da gerência da empresa.
Na delegacia, a Polícia Civil constatou que Deillan não havia participado da tentativa de assalto e o liberou.
Uma mulher que estava no ponto de ônibus também foi atingida e socorrida. Não há informações sobre o estado de saúde dela.
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GUILHERME ERA RELIGIOSO E TÍMIDO, CONTAM COLEGAS
O marceneiro era conhecido por sua personalidade tranquila e sua fé cristã, de acordo com pessoas que conviveram com ele. Casado há pouco mais de um ano com Sthefanie dos Santos Ferreira Dias, ele guardou dinheiro para conseguir pagar pelo curso para obter uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação), segundo colegas de trabalho.
Ferreira trabalhava havia cerca de três anos na fábrica de camas Dream Box e tinha voltado recentemente de férias.
Amigos e conhecidos usaram palavras como respeitoso, carismático, trabalhador, puro e cristão para defini-lo. São-paulino fanático, gostava de falar sobre futebol e estava planejando ir a um jogo no estádio do MorumBis com os colegas de trabalho, segundo uma pessoa que trabalhava na empresa.
A esposa afirmou à TV Globo que o marido sonhava em ser pai. "É um homem de Deus, um bom filho, um bom esposo. Nunca se envolveu com nada. O sonho dele era ser pai. A gente ia viajar agora em agosto porque iríamos comemorar dois anos de casados", afirmou.
"Primeiro a gente ouviu algumas notícias falsas dizendo que meu primo era bandido. E o que revolta é saber que ele não estava na cena do crime e foi morto sem ter sido enquadrado, sem seguir o protocolo que a polícia tem que seguir", disse Larissa Souza Santos, prima da vítima.
Larissa ainda pediu justiça e o afastamento do policial, acrescentando que pagar R$ 6.500, valor da fiança, "para uma vida que foi perdida não está satisfatório".
LINHA DO TEMPO DA MORTE DE GUILHERME
4.jul.25 22h28 Guilherme Dias Santos Ferreira, 26, registra saída no relógio-ponto da empresa Dream Box e caminha até o ponto de ônibus. Deillan Ezlan da Silva Oliveira, 21, também funcionário, bate o ponto em horário próximo;
22h35 O policial militar de folga Fábio Anderson Pereira de Almeida, 35, passava pela região em sua moto Triumph Scrambler 400x verde, quando cinco motociclistas armados o cercam e anunciam roubo;
Fábio reage a tiros, e o grupo foge abandonando na via uma Honda CBX 250;
Guilherme surge correndo rumo ao ponto de ônibus, segundo amigos, para não perder a condução. Fábio o vê e dispara, segundo boletim de ocorrência, acreditando se tratar de um dos envolvidos na tentativa de assalto que estaria voltando à cena do crime. Guilherme morre a cerca de 50 metros do ponto;
Uma mulher também é atingida pelos tiros e é socorrida por terceiros;
Deillan, que também caminhava em direção ao ponto de ônibus, é detido como suspeito de participar do roubo. Acabou liberado na delegacia;
5.jul.25 4h38 Perícia chega ao local do crime
Com Guilherme foram encontrados carteira, celular, chaves, livro, remédios, itens de higiene, uma bolsa térmica e uma marmita com talheres;
Um funcionário da Dream Box se apresenta e mostra vídeos e fotos de WhatsApp que apontam que Guilherme e Deillan tinham saído do trabalho às 22h28 e, portanto, não tinham ligação com o roubo;
14h52 Fábio é autuado em flagrante por homicídio culposo, paga fiança de R$ 6.500 e é liberado;
Fonte: Boletim de ocorrência
ASSUNTOS: Variedades