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Projeto que regulamenta venda de armas está parado na Câmara há quase dois anos

Por Agência O Globo

24/08/2016 3h52 — em
Brasil



BRASÍLIA - Quase dois anos de atraso na apreciação do texto que regulamenta o comércio internacional de armas fazem do Brasil um ator internacional pouco atuante no assunto, apesar de ser o quarto maior exportador de armas leves do mundo. O Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA) chegou ao Congresso em novembro de 2014 e seguiu para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, onde ficou até dezembro de 2015, quando foi encaminhado para as Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Segurança Pública, esta última dominada por deputados da chamada "bancada da bala".

A CCJ finalmente aprovou, nesta terça-feira, relatório favorável ao texto do tratado. Agora, aguarda o relatório do deputado Lincoln Portela (PRB-MG), também da bancada da bala, que será votado no plenário da Comissão de Segurança Pública.

O Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA) - que garante, entre outras coisas, que não sejam vendidas armas a países que cometem graves violações aos direitos humanos, como massacres e genocídios - foi assinado pelo Brasil na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, em 3 de junho de 2013. A data da assinatura, o primeiro dia possível para fazê-lo, mostrou a disposição do país em participar ativamente da discussão. Apesar disso, a lentidão do Legislativo inviabilizou a ratificação do tratado, o que deixa o Brasil sem voz diante dos outros 84 países que já ratificaram o TCA.

O deputado Alexandre Baldy (PTN-GO), presidente da Comissão de Segurança Pública, afirmou ser "absurda" a demora de seus pares em apreciar a matéria. Ele admite que esse é o tipo de tema que enfrenta enorme resistência entre os titulares da Comissão, em sua maioria contrários à regulação da venda de armamentos produzidos no Brasil.

- Esse é um tema sempre delicado, não é um tema que a gente consiga deliberar para votar com muita facilidade na Comissão. Muitos deputados 'seguram' projetos, tem casos de 2013 ainda sem relatório. É um absurdo - disse, acrescentando:

- Eu não seguro nada e não tenho problemas em pautar. Apesar de enfrentar resistência, um lado vai vencer. Eu vou pautar para ir a plenário, pode ter certeza. Já estamos cobrando o relator, ele deve apresentar o relatório na semana que vem para que vá ao plenário na próxima semana ou daqui a duas semanas - garantiu Baldy.

O deputado admitiu, ainda, que não há equilíbrio entre as posições dos membros da Comissão que preside:

- Creio que, na Comissão, tendenciosamente você tem mais pessoas favoráveis ao armamento, e é uma tendência para contribuir para que um determinado resultado ocorra - afirmou, se colocando favorável ao tratado.

Sem ratificar o Tratado, o Brasil participa como coadjuvante, pelo segundo ano consecutivo, do Fórum de discussões sobre o TCA, já que apenas países que ratificaram o texto podem tomar decisões. Os signatários participam dos encontros - em 2015 na Cidade do México, e este ano acontece em Genebra ao longo desta semana -, mas apenas como ouvintes.

- Esse éo segundo ano que o Brasil está sendo um coadjuvante insignificante. Ele deveria ser um protagonista, existe essa expectativa, e no entanto ele está ali fingindo que não é com ele, enviando, desde o ano passado, delegações bastante tímidas, e o discurso também não se compromete. Agora é o momento de se comprometer, e isso está nas mãos da Comissão de Segurança Pública - disse ao GLOBO Marina Motta, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional.

Marina comparou o trâmite lento do TCA entre Executivo e Legislativo - que já passa dos três anos - com os quatro meses necessários para que o Brasil ratificasse o Acordo de Paris, que validou o pacto contra mudanças climáticas e estabeleceu metas para restringir a emissão de gases do efeito estufa. Ela defende que o Brasil "dê o exemplo", já que está entre os maiores exportadores de armas leves do mundo.

- A gente é um ator muito importante no mercado internacional de armas, por isso temos a responsabilidade de fazer parte do debate público sobre regulação de exportação de armas e a responsabilidade de dar o exemplo nesse mercado - explicou Marina Motta.

À frente do Brasil no ranking de exportação de armas leves - pistolas, metralhadoras, lança-granadas, entre outras - estão os Estados Unidos, Itália e Alemanha. Desses, só os norte-americanos não ratificaram o Tratado e a tendência é que não o façam. Além de Itália e Alemanha, potências nesse mercado, como a França e o Reino Unido, também já ratificaram o TCA.

- O Brasil tem a obrigação de fazer e se comprometeu a fazer. É uma pendência na política externa brasileira, é a coisa sensata, óbvia e necessária a ser feita - reforçou Marina, lembrando que as armas leves são as que mais matam pelo mundo, apesar de não serem a de maior potencial destrutivo, como mísseis.

A integrante da Anistia Internacional alerta, ainda, para a falta de transparência sobre o caminho das armas brasileiras pelo mundo. Marina citou como exemplo casos em que armamento produzido no Brasil foi usado em conflitos no Iêmen, na Costa do Marfim e no Barein.

- É importante a transparência sobre para onde vão as armas produzidas no Brasil, e a regra de ouro do tratado, garantir que não sejam vendidas armas para países onde são cometidos massacres ou graves violações de direitos humanos. Sabemos que a população não está de acordo com essas coisas, esse é um ponto pacífico. Eles (parlamentares da bancada da bala) se baseiam na lógica do sigilo - explicou.

Além da Anistia Internacional, outras quatro organizações de direitos humanos produziram uma petição, chamada "Para onde vão as armas?", para sensibilizar a sociedade brasileira a pressionar o Congresso pela aprovação do Tratado.

- Temos armas brasileiras aparecendo na Costa do Marfim, no Iêmen, no Barein. Armas usadas em explosões com o selo 'Made in Brazil'. É isso que a gente quer? - questiona.


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