Seu telefone grampeado. Escutas ilegais podem crescer no Amazonas
A necessária auditagem no aparelho Guardião, do governo do Amazonas, que nunca foi feita, é que abriu as janelas para transformar a Secretaria de Inteligência em uma milícia criminosa, politizada e aparelhada pelo Estado. Isso é que precisa acabar. E não acaba, como quer o Ministério Público, com a simples transferência do equipamento para uma delegacia de policia.
Em qualquer instância de poder - mesmo no Ministério Público ou na Polícia Federal - instituições reconhecidamente sérias, as engrenagens de inteligência são suscetíveis a manipulações. A proteção do cidadão, inclusive à intimidade, está cada vez mais ameaçada.
Faz sentido a recomendação da Promotora de Justiça Marcelle Cristine de Figueiredo Arruda para a transferência do sistema de interceptação Guardião e do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro da Secretaria de Segurança para uma delegacia, mas a transferência de equipamentos sensíveis em si mesma não elimina o risco de provocar efeitos contrários aos pretendidos pela promotora.
A medida, invés de aumentar os controles sobre atividade de investigação, abre uma janela para o oportunismo, para a troca de favores, para vazamentos que a promotora pretende evitar. Os riscos da iniciativa são enormes.
Primeiro, porque uma delegacia tem diversos delegados que substituem plantões, agentes que entram e saem, presos levados por policiais militares, influência politica e níveis de vazamento conhecidos.
O Ministério Público precisa reconhecer que essa é uma medida delicada, que pelo prazo dado pela promotora para a transferência, abre portas para vazamentos e pode expor escandalosamente a intimidade de milhares de pessoas.
O Guardião é uma espécie de bomba. Tem um botão para ser apertado e o responsável por essa iniciativa deve ser um servidor de carreira, com bons antecedentes, experiente e cumpridor das leis, o que não impede que seu trabalho seja auditado, assim como o aparelho.
Essa auditagem, que nunca foi feita, é que abriu as janelas para transformar a secretaria de Inteligência em uma milícia criminosa, politizada e aparelhada pelo Estado. Isso é que precisa acabar. E não acaba, como quer o Ministério Público, com a simples transferência do equipamento para uma delegacia de polícia.
Escutar qualquer cidadão, com autorização judicial, já é uma medida agressiva, embora necessária para elucidar certos crimes. O problema é que, muitas vezes autoridades transpõem limites legais, dependendo de quem manipula as investigações - seja a policia ou o Ministério Público. Ou o juiz desatento a pedidos às vezes extemporâneos e sobre os quais coloca sua rubrica que acaba convalidando uma invasão criminosa de aparelhos celulares.
Como se vê há sempre riscos à invasão de privacidade. Desde os que estão em salas refrigeradas, com distintivos no peito, aos que são colocados nas ruas, xeretando a vida alheia, com suas maletas clandestinas.
Neste momento, em que é grande a preocupação com os rigorismos da legalidade, importa que haja prevalência também do bom senso, que não caminha no sentido de uma mudança de ambiente tão rápida, como possa pretender o Ministério Público em sua recomendação para transferir centrais de escutas para uma delegacia de polícia.
Se o ex-secretario Samir Freire utilizou o aparato estatal para o cometimento de crime é porque não houve a necessária auditagem das inúmeras tecnologias sensíveis colocadas sob seu comando, que afinal é uma responsabilidade dos órgãos de controle.
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.