Luiz Schwarcz fala sobre o 'tesão de editar' e decisão de apoiar Lula na Feira do Livro
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O auditório Armando Nogueira, dentro do Museu do Futebol no Pacaembu, lotou na tarde desta quinta-feira com público interessado em ouvir um editor Luiz Schwarcz, que fundou e dirige a Companhia das Letras e notou, ele mesmo, o acontecimento fora do comum.
Enquanto havia fila de espera para fora do auditório de 180 lugares, o editor comentava sobre sua insegurança ao publicar um livro de sua autoria, dizendo esperar que o lugar não enchesse nem pela metade. Mas a conversa com o chefe da editora que controla a maior fatia do mercado brasileiro se provou à altura do interesse.
"O trabalho de edição vem com o tesão de acompanhar o ato de criação absoluta", apontou ele, na conversa mediada pelo colunista Paulo Roberto Pires, da revista Quatro Cinco Um. "A literatura é uma arte que se constrói ao longo do tempo, em um diálogo interior muito profundo. O tesão é fazer essa arte solitária encontrar outras solidões, as dos leitores."
No novo livro em que fala sobre seu ofício, "O Primeiro Leitor", ele dedica capítulos a "figuras paternas" que o influenciaram e autores que foram importantes em sua trajetória, sempre falando de pessoas que já morreram, para não melindrar os vivos.
Ele rompeu o acordo a pedido de Pires para falar de Milton Hatoum e Bernardo Carvalho, autores de carreira longa e muito vinculada à Companhia. Hatoum, segundo ele, entrega seus livros muito abertos para o diálogo com o editor, e Carvalho foi se abrindo mais à conversa conforme foi ficando mais velho.
Ouvindo uma pergunta sobre um autor cujo talento o arrebatou já na primeira leitura, citou o carioca Geovani Martins, de "O Sol na Cabeça". E numa pergunta sobre alguém cujo talento não soube reconhecer, mencionou Hilda Hilst.
"Não fui diretamente eu, mas a Companhia a recusou no passado. Acho que era a época dos romances pornográficos, como ela mesma dizia, e talvez tenha sido por pudor. Então há o arrependimento de não ter tido a sacada de que era uma grande escritora. E ela me perseguiu o resto da vida."
Outro ponto de discussão foi a decisão da Companhia de declarar voto contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022, apoiando os então candidatos Fernando Haddad e Lula.
Schwarcz contou que, após o pleito que elegeu o bolsonarismo, recebeu uma ligação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que disse "Luiz, você teve muita coragem de declarar voto no perdedor".
Mas o diretor da Companhia afirmou que a ideia de que uma editora deveria intervir na vida política já estava arraigada nele desde que trabalhou com Caio Graco Prado na Brasiliense. Também apontou que achava que o período bolsonarista seria mais desastroso para a cena editorial do que de fato foi. "A cultura no Brasil se impôs ao governo e não se deixou controlar, absolutamente."
Mais cedo, pela manhã, a discussão de democracia versus ditadura já havia pautado uma mesa com três escritores mediados pelo professor Eugênio Bucci.
Reunindo Ana Kiffer, Ana Cristina Braga Martes e Cadão Volpato, a primeira conversa do dia no palco Petrobras girou em torno dos silêncios herdados ou impostos pelo autoritarismo e das formas como a literatura pode confrontar e reconstruir essas ausências.
Volpato falou de seu romance "Abaixo a Vida Dura", da editora Faria e Silva, que tem como eixo a violenta invasão da PUC-SP pela tropa de choque em 1977, durante um ato estudantil pela recriação da União Nacional dos Estudantes (UNE).
"A violência foi brutal. Eu tive a sorte de chegar atrasado e não passar por essa situação, mas me vinguei da violência escrevendo esse livro", contou. O título faz referência a uma fala dita durante uma manifestação pelo crítico Josimar Melo "Abaixo a Vida Dura", que acabou sintetizando, à época, o desejo claro de pôr fim à ditadura.
"A única coisa que podemos fazer é criar coisas bonitas e incisivas. Contar as coisas com beleza é algo que o autoritarismo não consegue fazer", afirmou Volpato.
Kiffer comentou sobre "No Muro da Nossa Casa", da Bazar do Tempo, romance que alterna as vozes de mãe e filha para narrar os efeitos íntimos da repressão. A obra tem origem em uma história real: quando sua mãe estava grávida dela, a casa da família foi pichada com os dizeres "aqui mora um porco comunista", referindo-se ao pai de Kiffer, que havia sido deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro.
"De alguma forma, a linguagem se partiu. O livro trata da impossibilidade de acessar a linguagem que teria nos constituído. Como buscar a escrita na mesma língua que possibilitou a tortura?", questionou a autora.
Autora de "Sobre o que Não Falamos", da editora 34, Braga Martes chamou atenção para a apropriação distorcida de pautas democráticas. "Ainda não conseguimos falar sobre a ditadura. Quando éramos do movimento estudantil, levantávamos muito a bandeira da liberdade de expressão. Hoje em dia, essa pauta está sendo apropriada por pessoas ditas de direita nas redes sociais."
Em seguida, o matemático Marcelo Viana participou de uma conversa mediada pelo jornalista Eduardo Sombini, da Folha de S.Paulo, sobre seu livro "Histórias da Matemática", da Tinta-da-China Brasil.
Durante a fala, Viana destacou que a disciplina não deveria ser inacessível. "A matemática não deveria ser vista como restrita a alguns poucos gênios, mas sim como um instrumento do exercício da democracia."
Segundo ele, que também é colunista da Folha de S.Paulo, é papel do Estado assegurar o domínio dessa linguagem pela população: "A matemática é uma coisa que está no dia a dia. Do mesmo modo que o Estado garante a alfabetização da população, deveria garantir também uma alfabetização matemática."
A Feira do Livro segue na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, com programação gratuita até o domingo.

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