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'Eros' torna público em voyeur do sexo e afeto dos motéis brasileiros

Por Folha de São Paulo

19/06/2025 8h45 — em
Arte e Cultura



FOLHAPRESS - Não existem grandes segredos sendo revelados no documentário "Eros". O primeiro longa-metragem de Rachel Daisy Ellis se propõe a entender quem são as pessoas que frequentam motéis, "maior instituição de sexo do Brasil", ela diz.

São, como o filme se ocupa em mostrar, todos os tipos de pessoas. Dos adeptos da dominação e submissão atrás de cordas, correntes e gaiolas, até evangélicos que querem um espaço longe dos casa da família para apimentar as coisas, o motel é o Brasil aos olhos de Ellis.

A grande sacada de "Eros", porém, é que não são bem os olhos da diretora produzindo as imagens. As filmagens são feitas em celulares, às vezes na horizontal, como pediria um cinema, às vezes na vertical, como se fossem para redes sociais pelos próprios personagens. Eles se tornam diretores de si mesmos.

Por decisão da edição, o filme é fragmentado, sem linha narrativa que o amarre além do fato de serem encontros que acontecem em motéis. Não é nem no mesmo motel.

Ellis acerta quando reflete o espaço híbrido que o motel ocupa na cultura brasileira. É onde se faz, com ares de tabu, o sexo que não pode ser feito em casa. É também a paisagem de beiras de estrada e grandes avenidas, ao lado de redes de lojas para pets e hipermercados.

O resultado é cru. A montagem apenas empilha história em cima de história e mexe com os cortes sem sobrepor casais e narrativas. Acaba ficando cansativo para o espectador.

Isso porque os usuários dos motéis repetem rotinas parecidas, quando não recaem em clichês -o homem que chama uma prostituta para conversar, o casal evangélico safado. A essência da coisa, mesmo que envolva uma suruba ou correntes e cordas, é a mesma. Sexo, janta, um papinho depois.

O papo parece ser o ouro que Ellis queria garimpar. Um casal gay deitado na cama depois de transar debatendo sobre o privilégio de transar numa cama, porque, afinal muitos da comunidade LGBT só transam de pé.

Uma mulher trans chorando lembrando que conheceu seu parceiro quando começou a sua transição e, sete anos depois, se reencontravam naquela noite no motel. Triste, ela dizia que era uma despedida já que a situação política do Brasil a obrigaria a sair do Brasil.

Na jacuzzi, uma mulher monologa sobre como vê sua vida sexual como um grande experimento sociológico. Tem certa beleza nesses aforismos, mas alguns soam melosos, até forçados.

Mas o conteúdo enfadonho não derruba o filme. O trunfo, mais do que humanizar essas figuras do motel, é o convite que a forma faz ao espectador. Ao olhar para a tela, engajamos num fetiche silencioso que, esse sim, amarra todas as histórias.

Os personagens brincam, de forma muito mais natural do que em seus depoimentos, com o fato de estarem sob a mira das câmeras.

Um homem que recebe sexo oral de duas mulheres pega o próprio celular -não o que os filmava para o documentário- e registra a cena. Vemos ângulos do registro acontecendo pela câmera do documentário, e pelo espelho que os acompanha. Mirando o espelho no teto, uma mulher se filma recebendo sexo oral do parceiro.

Embora a qualidade baixíssima dos áudios e da imagem contribua para o cansaço sentido ao ver o filme, garante também que o espectador seja um total voyeur.

Não é uma construção revolucionária -sexo com cara de caseiro é popular em sites de pornografia e plataformas como Onlyfans desbancam o pornozão siliconado tradicional.

"Eros" propõe, sem forçar a barra, outra leitura sobre o que pode ser o sexo. De ato residente no limbo do tabu e do cotidiano, passa a ser aproveitado pelos personagens, como um jogo de imagens, narrativas e pontos de vista. Até sexo a dois ali vira menage com o espectador.

Eros

Produção Brasil, 2024

Direção Rachel Daisy Ellis

Avaliação Bom


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