Maranguape (CE) é a cidade mais violenta do Brasil
MARANGUAPE, CE (FOLHAPRESS) - "PMCE ao entra [sic] tira o capacete e abacha [sic] o vidro". A pichação no muro é o aviso de que o visitante está entrando em uma zona de guerra. O recado está escrito na esquina de uma avenida, ainda na cidade vizinha, mas que dá acesso logo ao dobra-la a Maranguape, na região metropolitana de Fortaleza. O município é o mais violento do país, segundo a nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta (24).
PMCE, como nome rabiscado várias vezes pelo spray, seria um recado à Polícia Militar do Ceará.
Na tarde desta quarta-feira (23), a reportagem permaneceu por alguns segundos no local, para fotografar a rua e o alerta, quando foi abordada por um homem em uma bicicleta. "Vocês são de reportagem é? Ah, da Folha de S.Paulo, né? Pois é melhor vocês saírem daqui, viu!", disse o sujeito, sem se identificar.
Segundos depois, outro homem, sem camisa e com a mão no bolso, dando uma impressão como se escondesse uma arma, correu na direção da reportagem, gritando: "Sai fora, sai fora!". A abordagem não aconteceu em uma avenida movimentada. A equipe deixou o local, de carro.
Maranguape foi a cidade brasileira com o maior número de mortes violentas por habitantes do país em 2024, com taxa de 79,9, segundo dados do Anuário.
Outras quatro cidades cearenses figuram no ranking das 20 maiores taxas Caucaia (68,7), Maracanaú (68,5) (cuja avenida trazia o alerta no muro), ambas também na região metropolitana, Itapipoca (63,8) e Sobral (59,9).
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social da gestão Elmano de Freitas (PT) afirmou que os Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) ocorridos na região metropolitana tiveram uma redução de 17,9% no primeiro semestre de 2025, em relação a 2024. Em Maranguape, a redução foi de 29%, com 39 CVLIs até o momento, frente aos 55 no primeiro semestre do ano passado.
A prefeitura da cidade afirmou estar comprometida em "reverter a realidade de violência no município" e que, desde 2024, tem implementado "uma série de políticas públicas voltadas para as áreas mais vulneráveis".
O recado em áreas de domínio de facções é conhecido na vida do cearense. Em 2018, a reportagem flagrou mensagens semelhantes de criminosos em bairros na periferia de Fortaleza.
Mais cedo, no centro de Maranguape, em uma praça a poucos metros da delegacia da Polícia Civil, o clima parecia tranquilo. Em comum, moradores ouvidos, no entanto, preferiram não se identificar por medo.
Um comerciante da área relatou que não sente mais segurança em sair com sua família para locais públicos do município. Ele diz ter medo inclusive de ir a outros bairros da cidade, devido ao domínio de facções criminosas em algumas áreas. Afirma ainda que nesses locais, é normal que as pessoas questionem de onde o visitante é.
Um recepcionista, que também pediu anonimato, disse o centro da cidade é mais tranquilo, com um assalto aqui, outro ali. Mas na entrada do município, conta ele, há dono: de um lado é CV (Comando Vermelho, facção com origem no Rio) e do outro é GDE (Guardiões do Estado, um grupo local).
Segundo um agente de polícia local, um marco na violência do município foi o ano de 2017, quando foram registrados cerca de 130 assassinatos. A média local seria de 60 a 80 casos. Além de CV e GDE, estão presentes em Maranguape a facção Massa Carcerária e resquícios do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Segundo o policial, o grupo carioca tem aumentado sua presença na região, o que levou ao crescimento da violência. Ele também pediu para não ter seu nome divulgado.
Neste ano, já foram 42 homicídios na cidade. Na terça, um homem sofreu uma tentativa homicídio enquanto trabalhava em uma oficina. Ele foi socorrido e seguia internado até esta quarta.
Ainda segundo o policial, muitas famílias das localidades Área Verde e Área Seca, próximas ao limite de Maranguape e Maracanaú, foram expulsas de suas casas.
É possível ver no local o abandono das casas e diversas marcas de facções pichadas nos muros da área.
Uma dona de casa que mora na zona rural conta que o chefe da facção dita quem pode e quem não pode morar na área. Um empreendedor contou à reportagem que foi obrigado a fechar seu estabelecimento porque era frequentado por muitos oficiais da Polícia Militar.
Na área, as facções também determinam as empresas que podem atuar em alguns setores, como provedores de internet. Nos mercados autorizados, o chefe consome sem pagar. Segundo um morador, quem não obedece, o chefe manda raspar a cabeça e expulsa de casa.
Um entregador de lojas virtuais disse a um morador que não iria mais para a rua, depois que foi abordado ao fazer uma entrega.
ALTA DA VIOLÊNCIA NO CEARÁ
O Ceará figura entre os estados brasileiros mais violentos há alguns anos. Em 2024, foram 3.225 homicídios , segundo o Anuário. O número foi 9,4% maior que o de 2023, com 290 casos a mais, o segundo maior aumento registrado no Brasil, atrás apenas do Maranhão.
Com uma taxa de 37,5 mortes por 100 mil habitantes, é o terceiro estado mais violento do país, atrás de Amapá e Bahia.
A violência não só no Ceará, mas no país, reúne dois elementos, segundo César Barreira, fundador do Laboratório de Estudos de Violência da Universidade Federal do Ceará.
Um deles é a violência difusa, que atinge todas as classes sociais e econômicas que "também leva a um medo difuso", tendo jovens negros periféricos como alvos preferenciais.
Outro fator é o elemento da crueldade, que são crimes hediondos, como tortura, "que dificulta uma explicação sociológica". O professor citou crimes praticados por facções contra os chamados "traidores", como cortar pedaços do corpo e queimar pessoas vivas. "É como que se eles tivessem de demonstrar poder"
Neste ano, episódios de violência envolvendo o avanço de facções criminosas na disputa territorial pela oferta de serviços de internet afetaram bairros em Fortaleza e na região metropolitana.
Até o fim de junho, 40 pessoas havia sido presas por envolvimento nos crimes, de acordo com a Polícia Civil. A facção autora dos ataques, segundo a polícia, cobrava, com ameaças, uma taxa de R$ 20 por cliente às empresas, de acordo com a investigação.
Na época, a gestão Elmano disse que a resposta tem sido intensificar ações de combate à atuação das facções na disputa pela internet, benefícios para os agentes da segurança e realização de concursos para ampliar o quadro.
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20 cidades com maiores taxas de Mortes Violentas Intencionais
Municípios com população superior a 100 mil habitantes
Ranking - Município - UF - Taxa de MVI
1 - Maranguape - CE - 79,9
2 - Jequié - BA - 77,60
3 - Juazeiro - BA - 76,2
4 - Camaçari - BA - 74,8
5 - Cabo de Santo Agostinho - PE - 73,3
6 - São Lourenço da Mata - PE - 73
7 - Simões Filho - BA - 71,4
8 - Caucaia - CE - 68,7
9 - Maracanaú - CE - 68,5
10 - Feira de Santana - BA - 65,2
11 - Itapipoca - CE - 63,80
12 - Sobral - CE - 59,90
13 - Sorriso - MT - 59,7
14 - Porto Seguro - BA - 59,7
15 - Marituba - PA - 58,80
16 - Teófilo Otoni - MG - 58,2
17 - Santo Antônio de Jesus - BA - 57,7
18 - Santana - AP - 54,1
19 - Ilhéus - BA - 54
20 - Salvador - BA - 52
Fontes: Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Projeções da População do Brasil e das Unidades da Federação; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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