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Aldeia destruída pelo Dnit no RS ficava em meio às obras de duplicação da BR-290

Por Folha de São Paulo

22/05/2024 19h32 — em
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os indígenas da etnia guarani mbya atribuem a destruição de sua aldeia em Eldorado do Sul (RS), durante ação do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), a uma suposta estratégia de avançar, de forma arbitrária, com as obras de duplicação da BR-290, realizadas por meio de cooperação entre o governo federal e o estadual.

A aldeia Pekuruty foi demolida por tratores no último dia 3, no início das inundações causadas pelas chuvas no Sul do país. Casas, escola e os sistemas de energia elétrica e de abastecimento de água foram destruídos após o encaminhamento dos indígenas para abrigos. Os guaranis afirmam que não foram consultados sobre a ação e, quando souberam, tudo já havia sido destruído.

O Dnit --autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes-- é responsável pela duplicação na BR-290.

Em 2022, o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou o repasse de R$ 165 milhões para a continuidade da obra na rodovia, que estava paralisada. Com esse aporte e mais recursos da União, a conclusão da via estava prevista para 2026.

Em nota, o Dnit afirma que a ação na aldeia foi emergencial para que se pudesse devolver o quanto antes a trafegabilidade no km 132 da BR-290. A partir daí, segundo o órgão, em quatro dias foi possível restabelecer a conexão entre Porto Alegre e demais municípios.

Ainda de acordo com a nota, a aldeia Pekuruty é acompanhada pelo Dnit de forma permanente desde 2013, quando foram iniciadas tratativas para delinear o conjunto de medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos potenciais relacionados às obras na via (entre Eldorado do Sul e Pantano Grande).

"Toda interlocução do Dnit junto a comunidades indígenas no Rio Grande do Sul se dá em conjunto com a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], no contexto de processos de licenciamento ambiental de rodovias. É o caso da aldeia Pekuruty, que é uma das comunidades integrantes do processo de licenciamento ambiental das obras de duplicação da BR-290", diz a nota.

Estevan Garai, cacique da comunidade de Pekuruty, conta que perdeu tudo com a demolição de sua casa. Sem falar português, ele disse à reportagem, com a ajuda de tradutores, que a Defesa Civil exigiu que os indígenas deixassem a aldeia por segurança, mas que os moradores não foram avisados sobre a possibilidade de destruição das casas para melhorar o tráfego.

Agora, o líder indígena quer que a comunidade seja ressarcida pelo prejuízo. Ele afirma que os guaranis, que ocupam o local há mais de 15 anos, ficaram desamparados, entre eles um ancião de mais de 80 anos de idade.

Caso o Dnit não apresente uma proposta de realocação ainda nos próximos dias, Garai afirma que o grupo voltará para as margens da BR-290 com novas construções de casas e escola. O cacique afirma ainda que a autarquia promete há anos uma área de 300 hectares, que já teria a licença ambiental aprovada, mas que este plano nunca não foi executado.

Para Cláudio Acosta, cacique na aldeia Guajaivy (vizinha de Pekuruty) e um dos tradutores do povo guarani, a ação do Dnit teve o objetivo de acelerar o processo de realocação, reduzindo as chances de escolha dos indígenas que não falam português. Ele registrou a ação do Dnit em fotos e vídeos.

Trata-se, na avaliação de Acosta, de um caso de preconceito, também chamado de "racismo ambiental" --termo usado para descrever os efeitos das catástrofes climáticas que impactam em maior proporção as populações vulneráveis.

"O Dnit quer que a aldeia do povo guarani saia das margens da BR-290 para que ela seja duplicada. Mas não vamos ceder como eles querem. Isso foi uma violação dos direitos humanos", disse Acosta.

OBSTÁCULOS À AJUDA HUMANITÁRIA

A Funai e Ministério dos Povos Indígenas estimam que as enchentes no Rio Grande do Sul tenham afetado mais de 8.000 famílias das etnias guarani, kaingang, xoleng e charrua, num total de cerca de 30 mil pessoas.

Whera Hatá, cacique na aldeia Som dos Pássaros e coordenador do CGY (Comissão Guarani Yvyurupa), afirma que a ajuda humanitária tem enfrentado dificuldades para chegar aos povos indígenas no estado, sendo que alguns ficaram isolados após a destruição de pontes.

Por isso as entidades se mobilizaram, junto à Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), e desde o dia 14 entregam cestas básicas aos povos originários.

Dezessete entidades civis, dentre elas o CGY, publicaram uma carta direcionada a toda a sociedade --especialmente aos órgãos públicos das três esferas administrativas-- e à comunidade internacional.

O documento, que apresenta a situação indígena do estado diante da calamidade climática, salienta o papel da sociedade civil organizada no atendimento emergencial às comunidades afetadas e reivindica uma maior atuação e comprometimento dos governos para ampliar o suporte aos territórios e estabelecer um núcleo de atuação de emergência, reconstrução e consolidação de assistência.

"O coletivo enfatiza a responsabilidade do poder público em implementar medidas concretas e duradouras para garantir a segurança e o bem viver das comunidades indígenas na região", diz trecho da carta.


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