Mata-se por pouco e morre-se por menos
Qualquer cidadão que tenha um aparelho de TV em casa, vê mesmo nos canais abertos, a violência grassando em todos os pontos de Manaus ao Rio Grande do Sul. Mata-se por muito pouco e morre-se por menos ainda. Está fácil achar balas e armas e é estúpida a extinção da vida.
Os fabricantes de armas argumentam que as armas sempre existiram e um assassino das cavernas não usava trezoitão,mas uma simples pedra. A diferença é que ele não estava em uma cultura de mídia tão identificada para a afirmação do macho como a de hoje. O que ‘‘não leva desaforo pra casa’’. Sua briga era animal por posse e território sem essa intenção de cena de cinema. A diferença hoje é que qualquer briguinha entre jovens — cheios de hormônios efervescentes e adrenalina em alta —, que poderia ser ‘‘resolvida’’ pela catarse do tapa ou do braço vira morte pela ampla facilidade com que se encontram armas e munições, isso quando não é assalto mesmo.
Noel Rosa imortalizou em um samba que a malandragem do mais fraco era apertar o gatilho contra o dito mais forte: ‘‘No século do progresso o revólver teve ingresso pra acabar com a valentia’’. Um tiro é fácil de dar e extremamente irreparável. A arma para o imbecil lhe dá uma aura ridícula de poder que imita a sociedade dos poderosos instituídos também impostos pela força. Seja agressão explícita, seja a sofisticada nos truques das armações políticas e econômicas. A banalidade com que armas são vendidas, mal fiscalizadas e ocupam o mercado clandestino coloca em xeque toda e qualquer campanha antiviolência.
É como cuidar do vazamento sem eliminar a goteira. As indústrias de armamentos estariam dispostas a discutir o princípio que fundamenta seu negócio? Fabricam armas para que e para quem? Para corporações militares, só? Para que tipo de cidadão exercer que tipo de defesa? E se os portes forem dados sem o menor rigor — e vai saber quais seriam tais critérios? Quem avalia as condições emocionais do habilitado? Quem garante desequilíbrios momentâneos, falhas na guarda que leva crianças a ‘‘brincarem’’ com o perigo até cometerem acidentes trágicos?
A questão moral nesse vulgar arsenal da população é: se eu já parto do princípio que responderei na bala uma suposta agressão à bala, eu já estou reforçando a corrente de que a segurança coletiva do Estado faliu tanto que somente eu posso restaurá-la. Ou como justiceiro em legítima defesa ou vingador.
Geralmente essa classe média belicosa acaba como vítima. E quem tem o porte: o pai ou a família? O senhor pistoleiro das boas intenções acaba armando o bandido que ataca sua família, objeto da sua pretensa proteção.
A questão será sempre a de perguntarmos em qual tipo de sociedade queremos viver. A que elimina causas ou a que fica chorando eternamente sobre as consequências? Na verdade, é lutar antes para evitar o luto depois!
A vida seria mais bela sem as estúpidas balas e seus fabricantes.
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