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'O Pai da Rita', com Ailton Graça, é comédia singela, mas desajeitada

Por Folha de São Paulo

21/05/2022 15h04 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Como já se disse, um diferencial de "Medida Provisória", filme de Lázaro Ramos, é que ele é feito com negros e não sobre negros. A diferença é sutil, mas tem significado. Um filme "com negros" diz respeito a qualquer espectador, preto, branco, índio, japonês, javanês, o que for. Ele aborda o racismo, mas está mostrando situações de autoritarismo agudo, submissão. Mas também de resistência e dignidade.

Em "O Pai da Rita" estamos a princípio no outro território, o dos filmes "sobre negros". Estamos no Saracura --pode também chamar Bexiga ou, mais tecnicamente, Bela Vista--, em torno da escola de samba Vai-Vai. Ali vivem os compositores Pudim, papel de Ailton Graça, e Roque, vivido por Wilson Rabelo. O filme de Joel Zito Araújo se detém em especial no primeiro, chegado à boemia, aos botecos da região, à paquera.

Tudo nos encaminha para o pitoresco, como o sotaque do italianado dono de um restaurante da região, ou a figura um tanto submissa e também malandra do garçom de bar, ou mesmo o padre compreensivo. Para o pitoresco e também para o convencional. A rigor não é de personagens negros que se trata, mas de uma grande família, em que as pessoas podem até brigar ou manifestar opiniões diferentes, mas no fim todos se entendem. Não existe racismo nem combate ao racismo, uma vez que os brancos mal aparecem.

Nesse mundo de uma modesta classe média basicamente feliz por vezes irrompe uma bela imagem, como a do painel de rua representando o rosto da vereadora assassinada Marielle Franco, onde de repente irrompe um personagem. São momentos em que o filme vibra e vive.

No meio disso surgem as questões centrais da trama. A primeira, interminável dor de cotovelo de Pudim por causa do abandono de sua amada Rita. Há décadas ele sofre por sua amada ter sumido do mapa --ele não era um cara muito fiel. A segunda, o inesperado surgimento em cena de Rita, papel de Jéssica Barbosa, filha da primeira Rita, com quem se parece enormemente. Esse é um bom achado do roteiro, aliás.

Pudim faz as contas e logo constata que deve ser o pai da moça. Mas essa paternidade não é assim tão certa, outros candidatos se apresentam. Surge então a dúvida. Quem seria o pai da Rita? O problema mobilizará toda a comunidade do Saracura, mas para efeito do filme talvez surja um pouco tardiamente.

Antes disso, o filme parece confundir, em vários momentos, o essencial e o acessório. É interessante, por exemplo, a missa onde catolicismo e umbanda se encontram num mesmo rito. Mas como isso não se conecta a nada mais, acaba sendo apenas isso, interessante, curioso, até mesmo informativo.

No mais, há muita conversa dos personagens, o que não favorece o desenvolvimento da trama. Mas, pensando bem, isso não é algo apenas acessório --faz parte da vida que o filme pretende mostrar tanto quanto suas questões centrais.

Fica um pouco desajeitado, mas nunca desagradável. Apenas trava e dispersa o desenvolvimento da intriga. Pessoalmente, senti falta do mundo do trabalho no filme. Pudim e Roque vivem para o samba, a boemia, a amizade, as mulheres. Mas no que trabalham? É uma pergunta incômoda, mas não dispensável.

Em "O Mistério do Samba", documentário de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda, por exemplo, todos os sambistas falam com igual ênfase de suas composições, da vida da escola de samba e das atividades que exercem -um é pintor de paredes, outro fiscal de ferrovia e assim por diante.

De todo modo, não é pelo realismo que Joel Zito busca impor sua comédia. Nela o que importa é, ao contrário, a singeleza, a concepção de um mundo idílico, de gente pura, cuja pretensão na vida é apenas preservar seu pertencimento a um bairro, uma escola de samba, um grupo de pessoas.

Essa intenção se materializa ao final, quando a velha guarda da Vai-Vai surge em peso, como que abençoando as intenções do filme, que parecem coincidir com a das próprias escolas de samba, que representam parte relevante da contribuição negra à cultura brasileira (assim como o sincretismo religioso).

A pureza que exala dos personagens de "O Pai da Rita" tem, mal comparando, algo dos filmes do americano Frank Capra. Malgrado suas limitações, e elas existem, essa produção "sobre negros" deseja a fazer bem a quem assiste, negros ou não, e será difícil dizer que não realiza sua aspiração.

O PAI DA RITA

Onde: Em cartaz nos cinemas

Classificação: 16 anos

Elenco: Ailton Graça, Wilson Rabelo e Jéssica Barbosa

Produção: Brasil, 2021

Direção: Joel Zito Araújo

Avaliação: Regular


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