CADELA, SAFADA, PUTA, VADIA: LINGUAJAR DE ALTO NÍVEL?
Primeiro foi o caso de uma advogada criminal, a quem um promotor de Justiça afirmou ser ofensa ao animal, se a comparasse a uma cadela. Isso em plena audiência no Tribunal do Juri do Amazonas, no dia 13 de setembro deste ano. Menos de um mês depois, a presidente eleita do TCE (Tribunal de Contas do Amazonas) denunciou que um colega conselheiro a ofendeu usando termos como “puta, safada, vadia, traíra, eu vou te foder com a Lindôra no STJ”. Sobre o primeiro caso, com repercussão na imprensa nacional, os personagens são o promotor Walber Luís do Nascimento e a advogada Catharina de Souza Cruz Estrela. Vídeos com as declarações consideradas desrespeitosas tiveram ampla divulgação
“Se tem uma característica que o cachorro tem, Dra. Catharina, é lealdade. Eles são leais, são puros, são sinceros, são verdadeiros. E, no quesito lealdade e me referindo especificamente a Vossa Excelência, comparar Vossa Excelência com uma cadela é muito ofensivo, mas não a Vossa Excelência, à cadela”, afirmou o promotor. Como era esperado, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se manifestou em defesa da advogada Catharina e repudiou a atitude de Walber Nascimento.
Logo depois do entrevero, a advogada Catharina se manifestou num vídeo, declarando-se ofendida com o episódio. "Hoje eu fui ofendida no meu trabalho, enquanto advogada. Os juízes não fizeram nada para impedir. Então, aqui a classe unida buscando respeito para que não torne a acontecer com qualquer outra advogada. Eu realmente não precisava passar por isso no exercício da minha profissão".
Depois da enorme repercussão na imprensa, o promotor Walber Nascimento voltou ao noticiário com a divulgação de sua aposentadoria, no valor de R$ 42.345,52 (valor bruto). Tudo publicado no Diário Oficial do MPAM (Ministério Público do Amazonas), no dia 27 de setembro. E com a informação de que ele cumpria todos os “requisitos para a concessão de aposentadoria voluntária com os proventos integrais e paridade de remuneração” com os servidores ativos, com o mesmo cargo dele, conforme publicou o UOL, ao afirmar ter obtido o documento.
Em reportagem do UOL, de 14 de setembro, o promotor havia dito que “jamais teve a intenção de ofender” a profissional. Mais: afirmou que "nutre apreço, admiração e respeito" pela advogada. No mesmo dia, ele divulgou uma nota de retratação nas redes sociais. Declarou que respeita “todos os profissionais, advogados e advogadas", cuja “atuação é essencial para a administração da justiça e para a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos”. E que mantém “o mais alto respeito” à OAB. Na prática, sem muita serventia depois do “estrago”.
A palavra cadela estava contida em todas as manchetes. “Advogada pede condenação de promotor que a chamou de cadela por crime de misoginia”; Promotor de Justiça compara advogada a ´cadela´durante julgamento no AM”; “Advogada diz que promotor a comparou a cadela em julgamento em Manaus”; “Promotor de Justiça compara advogada a ´cadela´” e “Advogada acusa promotor de chamá-la de cadela”.
Quanto ao episódio no TCE envolvendo diretamente a presidente eleita Yara Lins e o conselheiro Ari Moutinho, foi além do bate-boca e chegou à Polícia. Com direito a registro de BO (Boletim de Ocorrência), por iniciativa dela, que também concedeu entrevista a repórteres na própria delegacia. Detalhe: de acordo com Yara Lins, a ofensa aconteceu no recinto do próprio TCE, no dia 3 de outubro, dia da eleição para a nova diretoria da Corte. Ela procurou a Polícia no dia 6, quando contou ter sido chamada de “safada”, “vadia”, “puta” e “vagabunda”, além de receber ameaças.
“Quando eu estava no plenário, fui cumprimentar o conselheiro Ari e disse Bom dia. Ele disse: bom dia nada! Safada, puta, vadia! E me ameaçou dizendo: eu vou te foder”, afirmou. “Neste momento não está aqui uma conselheira, está uma mulher. Uma mulher que foi covardemente agredida no Tribunal de Contas, dentro do plenário, antes da eleição, para me desestabilizar”. Na entrevista, ocorrida na sede da Delegacia-Geral de Polícia do Amazonas, ela também pediu justiça e punição para Ari Moutinho.
“Eu acredito na justiça de Deus. Acredito na imprensa do meu estado e acredito nas autoridades do meu estado e do Brasil. Eu peço justiça porque sou a única mulher, a única conselheira lá do Tribunal e represento as servidoras da minha instituição. Relutei muito em vir aqui fazer essa denúncia, mas eu não poderia me acovardar por ameaças, e eu não aceito ameaças. Eu quero que a Justiça puna o agressor, para que acabem com a violência contra as mulheres. Fui agredida dentro da minha função, dento do plenário do TCE”.
Yara Lins, que acabou eleita presidente do TCE para o biênio 2024-2025, (ela retorna ao cargo depois de seis anos), também se referiu a um vídeo. “O vídeo mostra, depois que fui agredida, que eu fiquei paralisada e passei a mão no rosto dele e disse: você é um infeliz, por isso sofre tanto e ele, sarcasticamente, tentou pegar no meu rosto e jogou beijo para mim”.
Da parte de Ari Moutinho, desde o início nega qualquer agressão, atribui as denúncias a uma tentativa de punição pelo fato de ter anulado o seu voto na eleição (que elegeu Yara). O escândalo já provocou o afastamento dele das suas funções, por decisão monocrática do conselheiro-corregedor Júlio Pinheiro, que chegou a ser publicada no Diário Oficial. Porém, a decisão não chegou a ser concretizada, por determinação da desembargadora Onilza Abreu Gerth. Portanto, Ari permanece no cargo. Para ele, tudo não passa de “falsas acusações” e prometeu recorrer a medidas judiciais. Se cumprir a promessa, o que mais poderá acontecer?
O Tribunal de Contas tem a função principal de fiscalizar o uso de recursos públicos de todos os órgãos da administração do estado, aí incluindo as contas do Executivo. O cargo de conselheiro é vitalício. E quando uma arenga entre seus membros vira caso de polícia, com acusações públicas, não tem como evitar especulações. Na última sexta-feira 27, na Coluna Bastidores da Política, Raimundo de Holanda, diretor-geral deste portal, pintou um quadro nada cor de rosa. Chega a falar até em “ameaça” à instituição TCE.
“As divisões no Tribunal de Contas do Amazonas pode levar para o cadafalso não apenas conselheiros – envolvidos em disputa intestina – mas também empresários e políticos”, lê-se no início do texto. Fala sobre a decisão de Ari Moutinho em solicitar, “formalmente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) uma investigação sobre a evolução do patrimônio dos sete membros da Corte, ele incluído, assim como a quebra do sigilo fiscal e telemático de familiares”.
E completa: “A iniciativa de Ari embute mais do que uma suspeita. Há na medida claro indicativo de que ele tem bala na agulha e apresentará à Justiça informações do que estaria ocorrendo entre quatro paredes com o carimbo de ´nada republicano´”. Diz também que, “com a repercussão nacional da crise apareceram os primeiros bombeiros, mas o incêndio tomou proporção gigantesca e ameaça a sobrevivência da própria instituição”.
A MESMA ADVOGADA
Sabe bem o leitor que o texto consta numa coluna de opinião, de total responsabilidade do autor, mas demonstra o óbvio: não se trata de uma discussão de botequim, entre torcedores de futebol. Vem aí uma nova semana, quando um dos lados pode até jogar a toalha branca. Lembrando que a Coluna de hoje iniciou o texto falando sobre o caso do promotor que teria feito comparação entre uma advogada e uma cadela. Pois a advogada Catharina de Souza Cruz Estrela integra a defesa de Yara Lins, a presidente eleita do TCE. Já o promotor Walber Nascimento teve a aposentadoria contestada, mas reverteu a situação.
Assim, o primeiro caso parece finalizado, mas o segundo não tem previsão para o encerramento. Em ambos os episódios, talvez haja uma mensagem: não dá para recolher as palavras ditas em voz alta, especialmente se tiver testemunha. Em 2003, o então deputado federal Jair Bolsonaro, durante uma discussão, disse que não estuprava a petista Maria do Rosário porque ela não merecia. Em outro momento justificou: ela era “feia”. Diante de câmeras e repórteres, também a chamou de “vagabunda”.
Aqui no Amazonas, a desavença no TCE ainda deve precisar muito de câmeras e repórteres. E não apenas para registrar vozes oficiais. Mas também, e principalmente, para registrar as causas que provocaram essa pororoca toda.
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