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As Ilusões de todos nós


Por Flávio Lauria

16/12/2023 16h55 — em
Espaço Crítico



Aproximação do Natal. Recordações do passado. Lembranças machucadas, que de tão revividas precisam ser passadas a ferro a fim de que readquiram a suavidade, a serenidade, a lisura das reminiscências da infância.

No ombro, a memória do ontem. O futuro, região insondável, assusta.

Quem está em paz com a sua consciência, está em paz com o mundo?

Não sei, se no mundo de Carlos Drumond de Andrade. Talvez sim, talvez não. Quando o poeta afirma que se ele se chamasse Raimundo seria uma rima e não uma solução, ficamos a cismar. Seria o mundo exterior com as suas guerras, a ambição humana, a miséria e a fome, a injustiça social, a opressão, o pânico? Ou seria um outro mundo?

Por exemplo, o mundo mais profundo, o mundo misterioso, o mundo oculto e ocultado, o mundo secreto, reservado e possivelmente preservado, o delicado mundo do próprio poeta? O mundo encantado onde ele teceu e viveu a sua fantasia maior, na intimidade e no amor do homem simples e de imensa sensibilidade?

Aquele mundo exterior está em toda parte, em toda cidade, em todo bairro. Na inquietação de muitas famílias, na marginalização crescente, na degradação da sociedade, no desaparecimento de valores éticos, na autodestruição de seres humanos pela droga e violência de toda ordem. Um mundo mau, crescendo, apavorando e apavorado.

Como se fosse o prenúncio do Apocalipse. Tenho dentro de mim uma intranquilidade que não aparento. Uma pressa de chegar a qualquer lugar e a lugar nenhum, que não há um só lugar marcado na minha agenda. Sei apenas que sinto uma espécie de chama de vela a me queimar o espírito, a nunca me deixar em plena serenidade. Não sei explicar este porquê, mas tenho certeza que a minha consciência não me acusa, não me leva a tremer de remorso.

Este desassossego é decorrente do meu temperamento. De um temperamento nem sempre fácil de entender. E mais difícil ainda de explicar. Se cheguei a idade que cheguei, carregando honesta e sofridamente o meu fardo, já seria tempo de aquietar-me. De dar adeus a qualquer trepidação. E viver para meditação. Ainda que não exclusivamente para a prece e para a crença, mas para experimentar das minhas raízes o sabor dos frutos da árvore que sou.

Árvore que apesar da terra nem sempre fértil e dadivosa onde foi plantada não se fez coberta de espinhos e totalmente destituída de sombra. Se eu não tivesse dentro de mim essa pressa de chegar não sei aonde, sem destino marcado, sem porto no caminho e sem parada na escala, é provável que eu pudesse serenar intimamente.

Ler, não os livros técnicos que têm a frieza dos laboratórios, mas dos profetas que falam a linguagem da poesia, ou mesmo quando não cantam as flores e o nascimento. Conhecendo a sapiência dos santos e dos personagens bíblicos, tentar reduzir a apreensão do meu próprio mundo e aguardar com perseverança tranquila, os sonhos sentidos e vividos num coração que ainda não perdeu a capacidade de crer no que virá.

Coisas que sinto nesta época.

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