PM mata, médico silencia e repórter esconde cartuchos que revelariam um crime
"Que foda-se o vagabundo”. A frase é forte. Saiu da boca de um capitão da PM para explicar a morte de um homem e as incursões em uma área supostamente dominada pelo tráfico em Manaus. A Polícia, que mata, informa mal. Como informa mal uma imprensa que não busca a verdade e se torna cúmplice de crimes como o ocorrido na comunidade Portal da Cachoeira, na Avenida do turismo na segunda-feira.
Não houve, como disse o capitão, morte súbita. A vítima sofreu tortura e foi levada para uma UPA, ferida. Chegou morta ou já estava morta ao ser levada. O local do crime não foi isolado e acabou violado pelos próprios policiais.
As provas se resumem a cartuchos que um repórter tentou esconder (Mas por que? Nao se sabe. Ele os entregou aos militares, o que torna o caso mais grave. Foi um comportamento criminoso e eticamente reprovável) e a testemunhas que a Polícia provavelmente não vai ouvir.
Os relatos estão nos videos inseridos na coluna. Ouça e tire sua próprias conclusões.
O laudo do IML revela perfurações por bala. O médico da UPA, para onde a vitima foi inicialmente levada pelos militares, deu a versão da polícia - “morte súbita”. Mas por que o profissional de saúde mentiu? Talvez porque entendesse de forma equivocada que o juramento que fez só faz sentido na parte em que se compromete fechar …”os olhos, calar a língua e não revelar os segredos que lhe forem revelados'.
E ali havia um segredo, que interessava ao grupo de policiais que invadiu a comunidade atrás de supostos traficantes.
Perguntado se a vítima tinha antecedentes criminais, o capitão, que insistia na morte súbita, disse que não sabia.
Há nesse lamentável episódio muita coisa a ser esclarecida: 1) Por que os policiais ficaram em cima do rapaz ferido, apesar do apelo dramático da mãe para que o deixassem respirar? 2) Se invadiram casas, estavam de posse de mandado de busca e apreensão expedido por um juiz ? 3) O capitão diz, na sua entrevista, que Manaus está dominada pelo tráfico e que a policia não arredará o pé. Mas arredou mais que os pés nos últimos anos.
Essas ações isoladas não servem a uma política de segurança séria; não servem à sociedade e expõem centenas de moradores dessas zonas, gente que trabalha, sonha, tem famílias, a riscos muito grandes.
Está na hora de repensar a segurança pública. E seriamente.
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.