Como dizer adeus sem sofrer, amigo Rosalvo Reis?
Uma geração que conheceu a ditadura, vibrou com as “diretas" e viveu a chamada "década perdida" - os anos 80 - começa a desaparecer. A notícia da morte de Rosalvo Reis, nesta quinta-feira, foi um choque. Inteligente, mas rebelde, ele fez parte de um grupo de pessoas que se negou a assistir passivamente o tempo se esgotar no calendário. Ajudou a construir um país melhor. Conquistas que a toda hora, com diversos atores em cena, tentam destruir.
Mas o que Rosalvo fez, afinal, para ser lembrado assim? Tudo o que você faz agora, do seu jeito, apostando no seu trabalho e na educação de seus filhos. Como cada brasileiro anônimo faz todo dia, tecendo cada pedaço de um sonho de um novo Pais.
Com a diferença de que a nossa geração tinha uma causa: a liberdade.
Os anos 80 não foram "uma década perdida”, como revelam livros escritos por aqueles que olharam apenas um lado da história, mas anos dourados. Porque apesar de economia ir mal, a pobreza aumentar, a opressão crescer, pensava-se o amanhã, lutava - se pela liberdade.
Era uma luta por princípios. Não como hoje em que a maior ameaça à democracia (aquela nossa geração conquistou para vocês) é a vaidade dos poderosos. E a vaidade suprime o saber, coloca o direito à serviço de favores de grupos de interesse.
Mas deixem eu falar de Rosalvo. Era garoto nos anos 70 e um jovem afoito na década seguinte. Ele e nós, seus amigos, éramos malucos demais.
O jornalismo, uma vocação - nem salários tínhamos, mas nos achávamos poderosos. Ser admitido como repórter em um dos quatro jornais que circulavam em Manaus abria muitas janelas e fechava inúmeras portas.
Falávamos em liberdade e em revolução. Não tínhamos medo, mas a vida de repórter era difícil. A visibilidade não ajudava a colocar pão na mesa nem levar a namorada ao cinema. Ainda assim, o sonho de liberdade era contagiante.
Uma Igreja Católica forte peitava o governo e de certa forma nos abrigava nos grupos de jovens. Líamos, sofríamos e aprendíamos muito.
E tínhamos fome, que o salário atrasado do jornal não saciava. Rosalvo foi dar aulas de física no Curso Einstein e eu consegui uma vaga para fazer o jornalzinho do curso - “O Linguarudo”.
Depois nos afastamos. O encontrei já envelhecido há cinco amos, doente, mas rebelde.
A morte dele, em razão de ataque cardíaco, não foi seguramente porque o marca-passo que implantara envelheceu. Ele continuou teimoso e flertou com a morte.
Dói sua partida e dói mais ainda saber que essa geração que construiu esse País para vocês está morrendo.
Esse País que dois grupos que não se calam, não se falam, não se cruzam, não estendem as mãos, estão destruindo.
Adeus amigo. Caminhe em paz nesse novo mundo…
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.