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'Vidro Fumê' espelha crimes contra estrangeiros no Rio e abuso a líder comunitária

Por Folha de São Paulo

02/05/2024 15h30 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um crime contra um casal de jovens estrangeiros no Rio de Janeiro, em 2013, ganhou enorme repercussão após o fato ser noticiado nos mais importantes jornais do mundo. Sequestrados por assaltantes, um francês de 23 anos e uma americana de 21 sofreram continuados atos de violência extrema por seis horas numa van.

O rapaz foi algemado e espancado com a chave de roda do carro enquanto era obrigado a assistir sua namorada ser estuprada repetidas vezes pelos criminosos.

"Vidro Fumê", do português Pedro Varela, que estreou na quinta (25), parte da ficcionalização desse crime. No filme, os namorados Mary e Gabriel, interpretados por Ellie Bamber ("Animais Noturnos") e James Frecheville ("Peaky Blinders"), se reconciliam após uma discussão e decidem comemorar num samba, no bairro da Lapa.

Para chegar até lá, eles pegam uma van. Inicialmente estão apenas com o motorista e o cobrador, um rapaz menor de idade. Ao longo do trajeto, outras pessoas embarcam, mas logo são obrigadas a sair quando um comparsa da dupla, que se passava por passageiro, anuncia um assalto. Começa então o horror que Mary e Gabriel vão enfrentar pelas ruas do Rio.

Uma outra história de violência, essa ficcional é contada paralelamente. Miriam, personagem de Mari Oliveira, é uma mulher de 24 anos, líder comunitária que vive em uma comunidade carioca com o irmão Jefferson (Gabriel Leal), a mãe e uma sobrinha. A jovem é constantemente assediada pelo candidato a vereador Azevedo (Augusto Madeira) e também sofre violência sexual logo no início do filme.

As cenas iniciais mostram Miriam, visivelmente machucada, saindo de casa e percorrendo um longo caminho até chegar a uma delegacia da mulher para denunciar seu agressor. Um homem é quem colhe seu depoimento e, de cara, já começa a colocar em dúvida o comportamento da denunciante perguntando se ela conhecia o agressor, se já tinham algum tipo de relacionamento, o motivo de ela ter entrado no carro e ainda que tipo de roupa ela estava usando no momento em que o fato aconteceu.

A cena a seguir mostra uma pasta sendo colocada numa pilha de processos, deixando claro que aquele caso não receberá a atenção devida pelas autoridades policiais. "Como é possível existir e, ao mesmo tempo, ser invisível?", diz a personagem, em off.

A primeira ideia, segundo o diretor, era fazer um filme ao estilo "true crime", comparando as histórias de Mary e Miriam -que apareceria apenas no início e no final- mostrando como a violência sofrida pela primeira e a maneira como as coisas caminham para ela e seu namorado vão afetar o desfecho do caso da segunda. O longa foi rodado em 2018 e recebeu originalmente o título de "Anatomia de um Crime".

Varela, em conversa com Mari Oliveira, uma das protagonistas, e Luciana Bezerra, corroteirista, decide então não lançar o filme e contar melhor a história, com o objetivo de, segundo ele, mostrar como realmente o círculo vicioso de poder, violência e machismo se instala na sociedade.

Surge então o personagem de Augusto Madeira, o político corrupto e miliciano Azevedo para colocar em cena o ciclo do homem branco. "E eu sou português, eu sei bem o que o homem branco representa no Brasil. Quando eu digo homem branco, eu digo europeu, colonial", explica o diretor.

Madeira, que já atuou em mais de 50 filmes, e que é uma espécie de coringa do cinema nacional, dá vida a esse homem sem nenhum escrúpulo que persegue Mari e acaba por violentá-la. Segundo o ator, ele faz isso com a certeza da impunidade. "No Brasil essa é uma palavra muito forte que serve para poucos", diz.

O filme, que já teve sessões exclusivas para mulheres no Rio de Janeiro e em São Paulo, tem levantado debates importantes. Mas a coprotagonista brasileira acha que deveria ter sessões apenas para homens, para que a discussão sobre o tema ganhasse outros e mais eficazes resultados.

De acordo com ela, o olhar de um homem e de uma mulher são completamente diferentes às situações de medo e perigo pelas quais as personagens do filme passam.

A questão é saber se há homens que estariam dispostos a ficar todos juntos numa sala para assistir a esse filme e discuti-lo depois. "Vocês sabem, eles não estariam. Mas as mulheres estão", afirma Varela.

VIDRO FUMÊ

Quando Em cartaz nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Ellie Bamber, James Frecheville, Mari Oliveira

Produção Brasil, EUA, 2024

Direção Pedro Varela


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