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Quem é Leonardo Fróes, poeta agora na Flip 2021 que se diz um amante do verde

Por Folha de São Paulo

27/11/2021 4h07 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Hippie, beatnik, zen, jardineiro, ecologista, tradutor, amante, amigo, prosador, contador de causo. O poeta Leonardo Fróes poderia responder a qualquer um desses termos, mas não sucessiva ou exclusivamente.

Como a natureza muda de aparência de uma estação para outra ou sob a luz cambiante, ainda que seja a mesma, assim o fluminense Fróes se metamorfoseou em muitos para ser quem é, no arco de seus 80 anos --completados em fevereiro e celebrados mais recentemente com sua "Poesia Reunida" lançada pela editora 34.

Era 1971 quando, ao lado de Regina Lustosa, a mulher de sua vida, subiu a serra num jipe cheio de livros. O destino, 50 mil metros quadrados de pasto, irreconhecíveis 50 anos depois, transformados que foram em um misto de floresta com pomar, em que abacates, abius, fruta-pão e tantas outras espécies dão alimento a animais que bebem água de seu riacho.

Ele, que foi menino da roça nadando pelado no rio em Itaperuna, mergulhou na literatura ao se ver ginasiano do Pedro 2º na capital fluminense. Não abraçando de cara a vocação literária, estudou arte, mas se tornou jornalista. Viajou o mundo aprimorando os idiomas angariados nos bancos escolares e já era um editor de sucesso quando, aos 30 anos, se tornou homem do mato em Secretário, na região serrana fluminense, para chegar a seu destino final de homem de letras.

"Meu problema central é que eu não queria ter mais emprego", conta. "Achava que meu tempo e minha capacidade de trabalho estavam sendo empregadas ao contrário do que eu queria que fosse." A questão não era tanto ter tempo para escrever, ou não só. "Os poemas são escritos em menos de uma hora, em poucos minutos." Fróes queria era ler.

"Eu leio muito, é meu maior passatempo e acho que minha principal atividade na vida. Leio livros de todos os séculos, gosto muito de literatura antiga, de poesia antiga."

Ele lembra tudo isso ao telefone, de sua segunda casa, um chalé de 1938 na cidade de Petrópolis, a meia hora do sítio Petiterra, que continua não tendo comunicação tecnológica com o exterior. O arranjo citadino se tornou necessário quando não foi mais possível traduzir --seu principal ganha-pão desde que deixou o Rio de Janeiro-- usando só a máquina de escrever.

A conversa foi numa sexta-feira; o fim de semana passaria no sítio, voltando na segunda à cidade, para um teste de conexão com a equipe da Flip, em preparação para a mesa que fará no dia 1º de dezembro. Fróes participa do evento pela segunda vez --a primeira foi há cinco anos--, agora ao lado das poetas Júlia de Carvalho Hansen e Cecilia Vicuña, esta chilena e também artista plástica.

Hansen foi editora de Fróes e é sua amiga. Antes, porém, foi leitora assombrada de sua poesia, com a qual pela primeira vez teve contato há cerca de dez anos, ao se deparar com o "Justificação de Deus" numa postagem. Esse primeiro contato, diz, produziu nela "o impacto do inesperado e do reconhecimento imediato de algo, ou de alguém, de uma poesia que queria conhecer, que queria estudar, que queria ler para aprender".

"Justificação de Deus" vinha de "Sibilitz", quinto livro de Fróes, publicado em 1981 e reeditado por Hansen em 2015, na Chão da Feira. Ele começa com minúsculas, como um discurso apanhado a meio formular -"o que eu chamo de deus é bem mais vasto/ e às vezes muito menos complexo/ que o que chamo de deus [...]".

Esse deus minúsculo pode ser uma casa de marimbondos, uma porta, uma árvore, se fundindo à existência comum e natural. Nesse sentido, "Justificação de Deus" pode ser lido como uma poética de Fróes. Uma, não "a" poética. Pois Fróes rejeita a alcunha de "poeta da natureza" que, por poemas como esse, se cola a ele.

"Eu sou poeta. Se eu não vivesse no campo eu poderia morar em Copacabana ou Ipanema, onde já morei, e continuaria a escrever poesia. Claro que, como vim para o campo, a poesia se encheu de imagens e personagens daquilo que me rodeia."

Mas isso não significa, afirma, que seja uma "poesia de exaltação". Para provar, recorda outro de seus "hits" que tocaram poetas da nova geração, como Hansen. "Introdução à Arte das Montanhas" faz parte de "Argumentos Invisíveis", de 1995. Ao longo de seus 13 versos, "um animal passeia nas montanhas", conhecendo os percalços do caminho e a liberdade do cume.

No topo, "Sente-se disperso entre as nuvens,/ acha que reconheceu seus limites. Mas não sabe,/ ainda, que agora tem de aprender a descer". Mas o poema, é evidente, não é uma lição de escalada. O ensinamento é de outro cunho, embutido nesse final "de caráter quase filosófico".

"É uma indagação sobre a vida. Agora eu tenho que aprender a descer, porque tenho certeza de que a maior parte do meu tempo já foi vivida", diz Fróes.

Cide Piquet, editor da "Poesia Reunida", foi outro iniciado na obra de Fróes por "Justificação de Deus". Se não foi o primeiro poema que leu do autor, foi o que primeiro o marcou, pela impressão de estar diante de alguém que conseguia "transitar tão confortavelmente" por um tema em geral tratado com "gravidade, ou um tom muito elevado".

O registro humano, leve, Piquet diz ser característico da poesia de Fróes como um todo, ainda que esse todo não seja um tecido homogêneo. Piquet acredita que a "Poesia Reunida" --que traz ainda os inéditos coligidos na seção "A Pandemônia e Outros Poemas" e "Adeus à Bananeira Ociosa", sobre a experiência da paternidade-- permitirá um mergulho mais profundo nessa obra.

Há ali escritos líricos, críticos, políticos, poemas em prosa, alguns até meio delirantes, sempre com bom humor --e temas variados. Mesmo nos mais sérios, frisa Piquet, "ele não quer vaticinar, não quer ensinar ninguém a fazer, ele fala do ponto de vista muito pessoal dele".

Entre o concretismo paulista e a poesia marginal carioca, Fróes abriu sua própria picada, convivendo na leitura com os autores de sua eleição. Fez algo "diferente de tudo" que Victor da Rosa "conhecia de poesia brasileira".

Professor de literatura na Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais, Da Rosa chegou ao escritor por "Trilha", antologia publicada pela Azougue em 2015 que, diz, "recolocou a poesia de Fróes em circulação".

Desde aquela leitura, intui uma ideia que ainda parece útil a ele para compreender a obra de Fróes, "a experiência da despersonalização, da 'despovoação da pessoa'" --expressão que dá título a um dos poemas de "Chinês com Sono", de 2015. Só recentemente leu a obra de Fróes inteira, "poema por poema", tendo aí "uma ideia mais próxima de sua imensidão".

No esforço por entender melhor essa trajetória, ele se dedicou aos textos ecológicos do escritor. Publicados em uma coluna nos extintos Jornal do Brasil, do Rio, e Jornal da Tarde, de São Paulo, esses cerca de 500 artigos compuseram, ao lado das traduções, a renda de Fróes de 1971 a 1983.

À medida que se embrenhava nos escritos, Da Rosa percebeu que "eram interessantes por conta própria", merecendo uma edição. O livro que assim nasceu sai, primeiro para assinantes do clube da livraria Dois Pontos e, em 16 de dezembro, pela Cepe, batizado "Natureza: A Arte de Plantar", junção de dois títulos que a coluna teve no antigo JB.

Numa primeira visada, os textos trazem dicas práticas para os amantes das plantas, com Fróes muitas vezes ensinando "em setembro o que tinha aprendido --e experimentado-- em agosto", como conta Da Rosa no posfácio. Porém, "mais do que úteis", diz ele, "poderiam ser lidos também pelo prazer da leitura, como se fossem crônicas".

Da Rosa diz ter selecionado os textos procurando reproduzir o que vê como a principal qualidade da coluna -"Fróes misturava tudo". Em uma palavra, se oferecia ali a visão de um amador, no sentido daquele que age movido pela paixão, refletindo "uma postura de aventura em relação à vida, ao mesmo tempo que se trata de um erudito", mas não esnobe.

"Com uma inteligência superior, Fróes nunca quis se especializar em nada, não chegou a se formar, e aprendeu tudo que sabe a partir da experiência, da observação e das leituras livres, seja através do recolhimento ou das viagens."

A negação de saberes estanques e a ideia de que em cada parte está o todo, e vice-versa, pontua de fato a fala de Fróes. Por exemplo, quando explica seu interesse pelo Oriente, rechaça qualquer viés conceitual, afirmando apenas que "a gente não pode compreender a vida na sua totalidade se ficar adstrito à filosofia ocidental".

Da mesma forma particular, aborda o tema da sustentabilidade. Ele, que continua a plantar no Petiterra sem jamais usar qualquer pesticida e que evita ao máximo comer animais, explica logo não ser "militante de nenhuma causa". A pauta da conservação do ambiente, diz, se é importante, "não é porque é benéfica para o ser humano, porque vai evitar o aquecimento global". É uma questão tão simplesmente de respeito ao todo.

"A humanidade tem que fazer um esforço mental e entender que estamos num planeta com inúmeras outras espécies, inclusive com esse vírus", afirma. "Não será que a própria vida está nos avisando 'vocês têm que se comportar de uma maneira mais educada, mais sensível'? Ninguém que eu conheça fica imune a esse contato com a natureza. Todo mundo diante de um pôr do sol, de uma mata exuberante, se sente bem. Isso é sagrado. O sagrado para mim é a vida."

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POESIA REUNIDA (1968-2021)

Preço R$ 84 (424 págs.)

Autor Autor: Leonardo Fróes

Editora 34

MESA “FIOS DE PALAVRAS”, COM LEONARDO FROÉS, JÚLIA DE CARVALHO HANSEN E CECILIA VICUÑA. MEDIAÇÃO DE LUDMILLA LIS

Quando Quarta, 1º de dezembro, 18h

Onde https://www.youtube.com/c/flipfestaliteraria

Preço grátis


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