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Quem é Cecilia Vicuña, poeta chilena anti-Pinochet que tem obra enfim reconhecida

Por Folha de São Paulo

30/11/2021 17h36 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aos 17 anos, Cecilia Vicuña estava na praia de Concón, no Chile, quando sentiu um vento gelado repentino abraçar o seu corpo, como se fosse uma cobra ao redor da cintura, ela conta. O acontecimento foi uma espécie de revelação para a jovem artista, prestes a começar a faculdade de arquitetura.

"Pude ver que o mar, o sol, o vento, a areia estavam vivos e conscientes. E na hora entendi que minha consciência era parte daquela consciência", diz ela, em entrevista por Zoom de Nova York, cidade onde mora. Vicuña então se abaixou, pegou um pauzinho e o cravou na areia, criando o que considera seu primeiro trabalho de arte.

Feita diretamente na areia da praia para o mar levar, a obra daria início à sua série de "precários", instalações frágeis feitas com pedras, gravetos, ossos, pedaços de madeira e fios, produzidas em ambientes naturais ou, quando seu trabalho passou a ser mais conhecido, em museus e galerias.

A delicada relação com a natureza que a artista e poeta chilena de 73 anos traz em seus trabalhos —reconhecidos com mais ênfase nas últimas duas décadas, culminando com a exposição de uma instalação sua na Documenta de Kassel de 2017— será um dos temas de sua fala numa mesa da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, nesta quarta (1º). O evento tem como tema a relação da literatura com as plantas.

Foi em 1965 que Vicuña descobriu, ao ler a Enciclopédia Britânica, que a vida na terra estava ameaçada pela contaminação industrial e pela destruição do meio ambiente. "Estava ciente de que estávamos em perigo e de que precisávamos agir. Todos os meus trabalhos emergem daquela adolescente já atuando em prol dos oceanos." Seu reconhecimento no circuito de arte, contudo, só viria tardiamente, impulsionado pela preocupação global com o aquecimento da terra.

Seu trabalho também lida com a memória dos povos incas e de outras comunidades indígenas —ela é conhecida por fazer grandes instalações de "quipus", que vão do teto ao chão dos espaços expositivos. São versões atualizadas de estruturas de fios e nós usadas há milênios como ferramenta de contabilidade e de transmissão de informações pelos povos pré-colombianos, aos quais a artista se diz conectada pelos ancestrais de sua mãe.

Criada numa família de artistas e intelectuais, acostumados a receberem os escritores Pablo Neruda e Gabriela Mistral para longas reuniões em casa, ela conta ter lido, mesmo sem saber outros idiomas, livros em diversas línguas quando criança, retirados da biblioteca de seus pais, e começado a escrever aos nove anos. Foi neste contexto que surgiu seu interesse por poesia, que ela afirma ser "a mãe de toda a sua arte".

"Frases para mim são como obras de arte. Cada palavra é uma obra de arte. Quando você tem uma relação com as palavras, você tem toda essa gama de emoções. Com as pessoas você pode ter uma miríade de 20 mil emoções diferentes —é o mesmo com as palavras", ela afirma, ao ser questionada sobre o processo de escrita de "PALAVRARmais", seu único livro publicado em português até agora, pela editora Medusa, que também editou um poema individual, "Livro Deserto".

Publicado em 1984, "PALAVRARmais" reúne aforismos, poemas e uma série de jogos com palavras, nos quais a autora decompõe os vocábulos, criando novos sentidos a partir dessa desconstrução. Ela também se vale de elementos visuais, como fontes maiores e menores, na composição do trabalho, algo que remete à poesia concreta. Vicuña chegou a conhecer Augusto de Campos na década de 1960, mas não se diz diretamente influenciada pelo poeta.

Para o ano que vem, a editora Iluminuras prepara uma coletânea de textos poéticos da escritora, intitulada "Palavra e Fio: Antologia Poética."

A vida e o trabalho da artista são profundamente marcados pela ditadura chilena. Quando Augusto Pinochet chegou ao poder, em 1973, ela estava num período de estudo em Londres, e desde então não voltou mais a viver em Santiago.

Do exílio, Vicuña fundou uma organização de artistas pela democracia e organizou festivais contra a ditadura em seu país natal. Agora, com o Chile às vésperas de escolher seu novo presidente, ela faz campanha para o esquerdista Gabriel Boric em seu Instagram, e chama o candidato de extrema-direita, José Antonio Kast, de "neo-nazi".

"A democracia nunca foi verdadeiramente alcançada, exceto entre alguns povos indígenas. Mesmo na Grécia, o conceito de democracia excluía mulheres e escravos", afirma. "A ideia de democracia é possivelmente a ideia pela qual mais valha a pena lutar."

MESA 9: FIOS DE PALAVRAS - LEONARDO FRÓES, JÚLIA DE CARVALHO HANSEN E CECILIA VICUÑA

Quando Quarta, 1 de dezembro, às 18h

Onde canal da Flip no YouTube

Preço transmissão gratuita

Link: https://www.youtube.com/channel/UC87GmBmOPPlezCPaDBrYrwQ


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