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Jaques Morelenbaum lança disco com respostas ao Brasil 'anticultural' de Bolsonaro

Por Folha de São Paulo

25/06/2022 15h04 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O material de divulgação dos shows de lançamento do novo disco do carioca Jaques Morelenbaum conta que este é o segundo álbum do trio que ele formou 18 anos atrás. Um leitor mais indagador --enxerido?-- pode, com isso, imaginar que, nas últimas quase duas décadas, o violoncelista levou uma vida mansa. Acontece que, para Morelenbaum, não existe nunca isso de não estar fazendo nada.

"Flor do Milênio", que ele apresenta em concertos em São Paulo e já está disponível nas plataformas de streaming, é de fato a segunda vez que o Cello Sam3aTrio entra em estúdio neste período, mas, entre um disco e outro, muita coisa aconteceu.

"Quando o trio começou, eu ainda trabalhava com o Caetano [Veloso], foram 14 anos, até 2006. E, em 2009, comecei a trabalhar com [Gilberto] Gil, fiquei cinco anos com ele, e continuei fazendo uma série de outros projetos. Fiz disco orquestral, escrevi arranjos para muita gente e, de vez em quando, a gente fazia o trio", conta Morelenbaum.

Esses encontros esporádicos do Cello Sam3aTrio a que Morelenbaum se refere se deram, especialmente, no exterior. Ele avalia que, lá fora, há um interesse maior pela música instrumental.

"O que a gente faz é música de improviso, jazz brasileiro, e não tem um mercado muito desenvolvido para isso no Brasil", explica, lembrando que, nesse período, o grupo visitou países como Argentina e Uruguai, além de outros destinos na Europa.

O Cello Sam3aTrio é formado pelo violonista Lula Galvão e o percussionista e baterista Rafael Barata. Para os shows que acontecem neste fim de semana em São Paulo, eles também recebem no palco os músicos Carlos Malta, Zeca Assumpção e o pianista Cristovão Bastos.

"Flor do Milênio" tem dez faixas. Entre elas está "Você Não Sabe Amar", de Dorival Caymmi, gravada no passado também por João Gilberto. "Tomei o João como meu professor de samba. Eu me inspirei no disco branco dele, onde ele faz o disco inteiro com voz, violão e percussão leve", diz.

"CasaBrancaBrinCadeira", que abre o álbum, foi composta nos anos 1980. Estabelecida em acordes menores, a música faz contraponto à melancolia dos arranjos com uma levada animada, quase esperançosa. "Essa, quando eu fiz, eu não tinha nem 30 anos ainda. E ela tem esse ar da juventude, que tem tudo a ver com esperança realmente."

Parceria com Lula Galvão, "Carta para Caetano" surgiu para o compositor "de um supetão só", lembra Morelenbaum. "O tema começou a se desenhar na minha cabeça, gravei cantando no celular do começo ao fim."

"Pedi uma letra para o Caetano, quase como se fosse uma ópera, uma cantata. Ele é uma grande influência também, gravei 15 discos com ele. Fico torcendo para que algum dia venha essa vontade e essa disposição e ele faça uma letra."

"Flor do Milênio" estava previsto para ser gravado em junho de 2020, mas os planos foram abortados por conta da pandemia. Morelenbaum conta que o isolamento social foi "um baque geral" para ele e os músicos com quem desenvolvia projetos à época.

"Tudo era uma incógnita. E, com a revolução do mercado fonográfico, em que as lojas de disco deixaram de existir, os concertos se tornaram muito preponderantes no nosso dia a dia, então essa ausência assustou todo mundo. Levei um tempo até me estabilizar em relação a tudo e voltar a criar", lembra.

A inspiração para a retomada criativa veio também do desejo de se contrapor politicamente ao governo atual. "Um desgosto se abateu sobre nós com essa atual conjuntura, com a ascensão do Bolsonaro, dessa direita que ignora a cultura, que tem um projeto acintosamente anticultural", avalia.

Assim como a música de Caymmi inserida no repertório --que fala de alguém que "não sabe o que é o amor"--, Morelenbaum também gravou "Apesar de Você", de Chico Buarque. "As duas são respostas diretas a esse momento atual", resume.

Perguntado se planeja alguma manifestação política no palco nestas apresentações em São Paulo, algo como seu parceiro Caetano Veloso protagonizou no palco no último dia 18, ele responde que ainda não planejou nada, mas que não descarta a ideia.

"Sempre penso que o músico deve aproveitar esse canal que tem com a plateia para expor suas ideias e fazer suas críticas. Já considero 'Apesar de Você', que vai fechar o concerto, uma música política", diz.

"E eu não sou tanto das palavras quanto Caetano é, sou mais da música. Mas sempre tenho vontade de trazer esse lado humano nos espetáculos que eu faço."

FLOR DO MILÊNIO

Quando: Sáb. (25), às 20h, e dom. (26), às 18h

Onde: Sesc 24 de Maio - r. 24 de Maio, 109, República, São Paulo

Preço: R$ 40

Classificação: 12 anos


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