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Charli XCX brilha como lava de vulcão em filme na Mostra de São Paulo

Por Folha de São Paulo

25/10/2025 10h30 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A fumaça de um vulcão paira no ar. Cinzas ocupam a tela e a lava ameaça saltar para fora. Mas há algo de estranho. A imagem está sob o efeito de um gritante filtro rosa. Ele sugere um visual descolado e converte o Etna em capa de disco pop. O contraste entre a aparência e o fenômeno violento pode surpreender, mas não quem já conhece a estrela de "Erupcja", a cantora Charli XCX.

No filme, a voz do hyperpop —subgênero que une traços da música eletrônica e de outros estilos vibrantes— não canta ou produz uma música sequer. Pelo contrário. A artista britânica abre mão do controle e se entrega ao mundo. A trama acompanha uma viagem à Polônia entre Bethany, interpretada por XCX, e seu namorado. Ela sabe que ele está prestes a pedir sua mão, mas reluta em aceitar. No processo, busca os conselhos de Nel, papel de Lena Góra, amiga antiga de Varsóvia que a convida para várias curtições.

A direção de Pete Ohs, também fotógrafo do longa, é determinada pelo encontro entre o previsto e o acaso. Daí surgem as cartelas coloridas, sem maiores informações —à exceção de um narrador polonês, que compartilha segredos dos que testemunha—, com que o cineasta sinaliza transições narrativas. Elas surgem quando os personagens flertam com dúvidas, incapazes de tomar decisões e, portanto, de serem definidos por enquadramentos concretos.

A própria relação entre Bethany e Nel é mantida por um símbolo que pode não passar de coincidência. Em todas as vezes que as duas se encontraram, um vulcão diferente entrou em erupção. É um incidente que bloqueia as vias aéreas e obriga a primeira a estender suas viagens. Dessa vez, as diárias extras servem ao colapso de seu relacionamento, sem que Ohs tome partido moral de um lado ou de outro.

Seu interesse está em observar o comportamento dos personagens em relação ao tempo. Se Rob, candidato a noivo, vaga pela noite com paciência, processando cada uma de suas dores, Bethany leva a gravação ao descontrole. Ela corre pelo asfalto molhado, dança até o amanhecer em boates obscuras e se torna um vulto frente à câmera, por vezes capaz de registrar só rastros e sugestões de sua presença.

Diante da tímida possibilidade de um apocalipse —notícias pipocam pelos celulares e informam o número de mortos pelo Etna—, temos aqui formas opostas de se reagir ao mundo. Essa contradição ainda se traduz na montagem.

Planos precisos priorizam objetos específicos, em sua maioria expostos a movimentos ou transformações. É o caso de uma xícara de café, que esquenta aos poucos num balcão, ou das malas de viagem que avançam pelos paralelepípedos. São maneiras literais de se capturar o tempo, atribuídas aos rituais diários de Rob e distantes da impermanência que XCX desenvolve em suas cenas.

E é justamente na presença da artista que está o grande trunfo do longa. Ao partir de um pressuposto construído por sua carreira —marcada por hits agitados, apresentações como DJ e a imagem alimentada por "Brat", seu álbum mais recente—, "Erupcja" lida com sistemas antagônicos, destinados ao choque desde o ponto de partida.

Em vez de priorizar as consequências dramáticas desse confronto, Ohs entende que a beleza está no processo —e nos espaços que ficam em aberto. Ele questiona as imagens, os símbolos e os limites que representam esses personagens, jamais os condenando a serem uma coisa ou outra.

Vale mais sentir a terra tremer do que lutar contra a natureza.

ERUPCJA

- Quando 25/10, às 15h, no Cinesesc; 28/10, às 13h, no Reserva Cultural

- Classificação Não indicada

- Elenco Charli XCX, Lena Góra e Jeremy O. Harris

- Produção Estados Unidos, Polônia, 2025

- Direção Pete Ohs


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