Hematologista critica projeto que permite venda de plasma sanguíneo no País
Por Ana Celia Ossame, especial para Portal do Holanda
A aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a comercialização de plasma sanguíneo no País pela comissão de Constituição e Justiça do Senado, no último dia 4, é parte de um processo absurdo que, se aprovado pelo Congresso Nacional, permitirá o retorno a um cenário vivido na década de 80 do século passado, quando a comercialização do sangue virou caso de polícia.
A afirmação é do médico hematologista Nelson Fraiji, da Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (FHemoam), um dos fundadores do órgão na década de 80 que responde pelo atendimento a essa área da saúde essencial para a vida.
O texto da PEC vai ao plenário em data ainda a ser definida e, se aprovado, seguirá para a Câmara, mas dirigentes de todos os hemocentros do país estão mobilizados para esclarecer os deputados e senadores sobre os riscos dessa aprovação.
Leia a entrevista concedida ao Portal do Holanda:
(Portal do Holanda) - Como o senhor avalia a aprovação dessa Proposta de Emenda Constitucional que permitirá a comercialização de plasma sanguíneo?
(Nélson Fraiji) - Sou contra esse absurdo que estão propondo, pois isso será o retorno a um status que vivemos até 1980, quando a comercialização do sangue era caso de polícia no país.
(Portal do Holanda) - Quem está por trás dessa proposta?
(Nélson Fraiji) - O que estão propondo tem a ver com o interesse de representantes de empresas privadas de bancos de sangue de São Paulo que trabalham com a produção de derivados industriais. O Brasil tem no seu programa do sangue a resposta que eles estão pretendendo responder com essa sugestão de comprar o plasma do doador.
(Portal do Holanda)- Qual é essa resposta?
(Nélson Fraiji) - A solução está no funcionamento da nossa planta de fabricação de hemoderivados industriais que é a Hemobrás, que já está em cerca de 90% concluída. Instalada próximo a cidade de Recife, no Estado de Pernambuco é uma fábrica de altíssima tecnologia e será responsável pela produção de alguns componentes industriais do sangue, tarefas que na verdade ela já executando. Essa fábrica, inclusive, já produz parte da demanda do país dos derivados de sangue.
(Portal do Holanda) - Quais os riscos dessa PEC ser aprovada pelo Congresso?
(Nélson Fraiji) - A remuneração de doador traz de volta o risco e o recrutamento deles ocorrer sem nenhum critério de segurança e estimula aquelas pessoas mais excluídas da sociedade a vender a sua vida para manter vícios ou sobreviver. E haverá impacto na cadeia de doação voluntária, que hoje permite atender as transfusões de hemácias seja nas urgências ou em hospitais que fazem cirurgias ou tratamento contra câncer.
(Portal do Holanda) - Como era a comercialização de sangue nessa época?
(Nélson Fraiji) - Esse interesse mercadológico esconde uma prática que, no passado, levou a termos bicheiro de jogo de bicho donos de unidades de coleta de sangue para ter o plasma para vender o mercado nacional e internacional. Isso vai contra a Constituição Brasileira e creio que essa é uma das cláusulas pétreas da Constituição, que é o altruísmo para a doação de órgãos.
(Portal do Holanda) – A possibilidade de compra e venda não seria interessante para melhorar a quantidade dos hemoderivados?
(Nélson Fraiji) - A obtenção de plasma para atender a demanda do País é perfeitamente possível com a doação altruística. Essa realidade se contrapõe à proposta que está na PEC, que propõe pagar o doador para a coleta de plasma em grande quantidade, que será vendido para indústrias de fracionamento.
(Portal do Holanda) - A doação voluntária atende à demanda do País?
Nélson Fraiji- A doação voluntária pode atender a essa demanda sem o risco de se estabelecer os grupos de doadores que são remunerados pela doação do plasma e dos voluntários que doam para se obtenha o sangue não só para transfusão de hemácias, mas também para produção de hemoderivados.
(Portal do Holanda) - Os dirigentes dos Hemocentros do País já se manifestaram sobre a PEC?
(Nélson Fraiji) - Há um conjunto de ações dos hemocentros do Brasil no sentido de orientar, com informação correta, condizente como está na Constituição, os parlamentares, especialmente os senadores, sobre essas questões e interagindo com associações de doadores, no sentido de mobilizá-los a respeito do que está acontecendo com o que está previsto na Constituição do País sobre o Programa Nacional do Sangue.
(Portal do Holanda) - O senhor acredita que é possível conscientizar os parlamentares do Congresso Nacional sobre essa questão?
(Nélson Fraiji) - Eu sou otimista em toda a causa e tenho consciência de que a ação em defesa do que é justo prosperará. Há uma energia enorme entre as pessoas em defesa da vida, do Programa Nacional do Sangue e refutamos, os proprietários de banco de sangue que querem reviver o que tinham no passado, com a mercantilização da vida.
(Portal do Holanda) - Há mobilização para esclarecer a sociedade também?
(Nélson Fraiji) - Temos os ‘Médicos pela Democracia’ que estão mobilizados, assim como associações de pacientes com anemias, o próprio MS tem atuado para esclarece sobre esse equívoco de comercializar o plasma. E vamos fazer contato com os nossos senadores e deputados para esclarecer todas as dúvidas e impedir que o projeto seja aprovado.
(Portal do Holanda) - Os defensores da PEC afirmam que a comercialização vai garantir o doador para que nunca falte o plasma.
(Nélson Fraiji) - No fundo não precisa pagar doador para ter plasma, e só ter um programa para aumentar a produção de plasma como a Franca e Japão fazem de maneira acertada. Eles têm programas magnífico do plasma, dentro do escopo da política pública. Mas os que querem lucro acima de tudo acham que o modelo dos EUA, que remunera os doadores de plasma está certo.
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