Obstáculo para Biden, inflação pode piorar se Trump cumprir promessas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Fantasma do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, por pelo menos metade de seu mandato, a inflação voltou a ser uma ameaça com a vitória de Donald Trump na corrida pela Casa Branca, anunciada na manhã desta quarta-feira (6).
Não que os planos da derrotada, a democrata Kamala Harris, afastassem de forma inequívoca o possível aumento no custo de vida aos americanos -dentre suas propostas mais criticadas estava a de trabalhar para proibir o "aumento abusivo de preços", o que normalmente tem um resultado contrário ao desejado.
Trump, porém, quer aprofundar a receita econômica de sua primeira gestão (2017-2021), marcada por um aumento de tarifas que desembocou em uma guerra comercial com a China e pelo fortalecimento de políticas antimigração, sob a justificativa de que pessoas de outros países estariam sendo empregadas no lugar de americanos.
Ambas refletem o sonho nacionalista de "fazer a América grande de novo". O slogan estampa bonés e camisetas de apoiadores de Trump desde 2016, quando o republicano venceu a corrida pela Casa Branca pela primeira vez, e aparece no apelido de seu plano econômico -o "maganomics" (uma fusão em inglês de "economia" e "Maga", acrônimo para "Make America Great Again").
Sob Biden, os americanos tiveram uma inflação de 9,1% na metade de 2022, algo que não experimentavam desde a década de 1980. A taxa, causada em partes pela ruptura das cadeias produtivas globais após a pandemia de Covid-19, em 2020, diminuiu até o fim da gestão do democrata.
Após atingir esse pico há dois anos e meio, o índice despencou -em setembro, a inflação acumulada nos 12 meses anteriores foi de 2,4%. Mesmo assim, o custo de vida dos americanos continua 21% maior se comparado ao do início do atual governo.
A análise mais recorrente é a de que o problema deve se agravar caso Trump siga em frente com suas promessas. Entre as propostas do plano econômico do republicano há taxas de 60% sobre importações da China, 10% sobre produtos do resto do mundo e até 200% sobre veículos montados e importados do México.
Essas taxas funcionam como um tipo de imposto que as empresas precisam pagar para colocar um produto no mercado dos EUA. A lógica de Trump é proteger seu eleitor por excelência -o americano branco menos escolarizado que viu a indústria de seu país se deteriorar após a entrada de produtos de outras partes do mundo, incluindo a China, e se sente prejudicado com a globalização da economia.
O republicano costuma argumentar que, ao longo de seu mandato anterior, as tarifas não foram repassadas ao consumidor, uma afirmação controversa. Um estudo de 2019 divulgado em uma publicação do National Bureau of Economic Research, por exemplo, é uma das muitas pesquisas segundo as quais houve repasse aos consumidores das taxas dos EUA e das tarifas retaliatórias que os países afetados pelas medidas americanas impuseram.
"Esse mecanismo pelo qual as tarifas são transformadas em preços mais altos para o consumidor final não é muito trivial", afirma a professora de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Carolina Moehlecke. "Por outro lado, a retórica de que ele vai proteger a economia americana e trazer de volta empregos que o país perdeu com a globalização ressoa muito positivamente com o eleitorado dele."
A mesma retórica é aplicada ao falar de migração. Trump prometeu políticas ainda mais radicais nesse área em relação à sua primeira gestão, mencionando deportações em massa e fronteiras fechadas. Menos mão de obra, no entanto, costuma gerar mais competitividade entre as empresas pelos trabalhadores, acarretando maiores custos.
Acompanhe a apuração em tempo real "A combinação de uma queda na imigração líquida e um aumento nas mortes durante a pandemia provavelmente explica a ausência de cerca de 1 milhão a 1,5 milhão de trabalhadores ausentes", afirmou, em um discurso no final de novembro de 2022, o presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos), Jerome Powell.
A despeito de, isoladamente, as medidas de Trump terem o potencial de aumentar a inflação, não é certo que isso acontecerá. Um conjunto de fatores fez com que, na sua última gestão, o aumento de preços ficasse restrito a 7%, por exemplo.
Para Clemens Nunes, professor de economia na FGV, é difícil prever o que vai acontecer no novo cenário. "A China hoje está em uma situação em que necessita bastante do setor externo para exportar o excedente devido à sua queda na demanda doméstica", afirma ele.
Essa conjuntura, diz Nunes, torna ainda mais difícil absorver as taxas. "Eu acho que as tarifas podem ter um impacto inflacionário, mas ele é muito menor do que a gente vê em especulações", afirma.
ASSUNTOS: Mundo