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'Ministro da vacina' e ex-chanceler são favoritos em eleição de provável novo premiê do Japão

Por Folha de São Paulo

28/09/2021 19h06 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Partido Liberal Democrático (LDP), principal sigla do Legislativo japonês, encerra nesta quarta-feira (29) o processo de escolha de seu novo líder -provável sucessor do primeiro-ministro Yoshihide Suga- em meio a um cenário de incerteza.

Com a popularidade abalada, Suga anunciou no dia 3 de setembro que não disputaria a reeleição para comandar o LDP. Na prática, isso significou também abdicar, menos de um ano depois de assumir, da liderança da terceira maior economia do mundo.

Após a abrupta decisão, quatro candidatos se lançaram para presidir a sigla, que, por possuir maioria na Câmara baixa do Parlamento, deve designar o vencedor da corrida para primeiro-ministro. Disputam o cargo o responsável pela campanha de vacinação contra a Covid-19, Taro Kono, o ex-ministro de Relações Exteriores Fumio Kishida e as ex-ministras de Assuntos Internos Sanae Takaichi e Seiko Noda.

A campanha começou no dia 17. Para ganhar, é preciso conquistar pelo menos 50% dos 764 votos em disputa. Metade deles (382) vem dos legisladores do partido, que detêm um voto cada um. A outra metade é determinada pelos filiados (1,13 milhão ao todo), cujos votos são distribuídos de acordo com um sistema de representação proporcional.

Se nenhum candidato conquistar ao menos 50% desses votos, um segundo turno é realizado entre os dois primeiros colocados. Nesse caso, 429 votos estão em disputa, sendo os mesmos 382 dos parlamentares, mais 47 de representações locais do partido. Os resultados devem ser conhecidos na manhã desta quarta (horário de Brasília).

Segundo pesquisa da agência de notícias Kyodo News, Kono e Kishida são favoritos para disputar um segundo turno. Paulo Watanabe, doutor em relações internacionais pela Unesp e professor da Universidade São Judas Tadeu, diz que uma liderança feminina é improvável.

"O LDP é um dos partidos mais conservadores e escolhe seus líderes após muitos anos de 'teste' na política", explica. "Se uma das candidatas for eleita e se tornar primeira-ministra, será uma grande surpresa, ainda que ambas tenham carreira política e experiência de liderança."

Popular, o ministro da Vacinação é favorito entre os legisladores mais jovens e os filiados. Já Kishida, que lidera a divisão mais liberal da sigla e disputa o posto pela segunda vez, angaria apoio dos parlamentares mais antigos --mas há quem aponte uma falta de maior apelo público.

Takaichi, por sua vez, é a candidata apoiada pelo ex-premiê Shinzo Abe e atrai os votos de nacionalistas do partido, enquanto Noda, a última a entrar na disputa, tem batalhado para conquistar uma base de apoio.

Um dos motivos para a indefinição desta eleição, segundo aponta a Kyodo News, é o fato de as divisões internas do partido terem permitido a seus membros votarem livremente. Ainda assim, segundo Watanabe, há maior probabilidade de Kishida vencer, pois esses grupos sinalizam maior apoio a ele.

O cenário atual é diferente do pleito que levou Suga ao poder, quando ele recebeu apoio das principais seções para suceder Abe, que renunciou por problemas de saúde.

O atual premiê foi escolhido para concluir o mandato do antecessor, que se encerraria neste mês. Com uma gestão impopular, nos últimos meses Suga viu os índices de aprovação desidratarem --de 60% no início do ano caíram para menos de 30%--, em grande parte devido à gestão da pandemia.

Mesmo as Olimpíadas de Tóquio não capitalizaram seu governo. A competição terminou com infecções de Covid em alta, impulsionadas pela variante delta, e sobrecarga do sistema de saúde. Novas restrições foram adotadas e, desde o fim de agosto, os casos vêm diminuindo.

Um dos principais fatores que pesaram no descontentamento popular foi a demora do governo japonês para iniciar a campanha de vacinação. Os imunizantes contra a Covid começaram a ser aplicados no país em 17 de fevereiro, mais de um mês e meio após diversas nações desenvolvidas darem início a suas campanhas.

A essa altura, os Estados Unidos já tinham 12% da população com ao menos uma dose, e o Reino Unido, 24%. No Brasil, 2,5% estavam parcialmente imunizados, segundo o compilado pela plataforma Our World in Data.

Ao anunciar sua saída, Suga destacou o cenário de casos --que então só começavam a cair-- como motivo para não disputar o pleito. "Uma enorme quantidade de energia teria sido necessária para lidar com a pandemia e realizar atividades de campanha presidencial do partido."

Ele buscou fazer um governo de continuidade, preservando a maior parte dos ministros e das políticas de Abe, mas esperava-se uma postura mais firme com relação ao combate à pandemia, segundo Watanabe. Ainda assim, as restrições adotadas para conter o vírus abalaram a economia japonesa.

Esse, aliás, é um dos principais motivos de preocupação dos japoneses, segundo pesquisas de opinião, que mostram que a política econômica deve ser a maior prioridade do próximo mandatário. Por isso, os candidatos, de acordo com a Kyodo News, gastaram horas esclarecendo como suas respostas ao coronavírus seriam diferentes das de seus rivais e de Suga.

Outro desafio à frente é a eleição geral, que ocorrerá ainda neste ano, já que o mandato da Câmara baixa do Parlamento se encerra no dia 21 de outubro. O primeiro-ministro pode dissolver a Casa e convocar eleições antecipadas, que devem ocorrer dentro de 40 dias da data da dissolução.

Watanabe destaca que essa é uma prática relativamente comum do primeiro-ministro que chega ao cargo, para testar sua popularidade --Abe fez isso ao menos duas vezes. "A questão é que Abe é um político extremamente popular, e, atualmente, o LDP não tem nenhum [candidato] nesse perfil."

Jornais japoneses, citando executivos do LDP, dizem que uma possível dissolução ocorreria em meados de outubro, com a eleição geral prevista para 7 ou 14 de novembro. As projeções mais recentes sugerem que a legenda deve manter a liderança, mas pode perder a maioria absoluta, o que enfraqueceria o futuro líder.

Watanabe concorda, mas pontua que o partido ainda reflete os desejos da população, apesar de estar no poder há muitos anos. "No passado, quando a oposição [Partido Democrático do Japão] foi eleita, houve grande rejeição popular", lembra.

O professor também explica que, ainda que não possua maioria absoluta, a sigla está habituada a precisar contar com apoio de legendas menores. "É um partido muito forte na política japonesa, o que torna a oposição fragilizada e não coesa."



Conheça os candidatos e suas propostas

Taro Kono, 58

Responsável pelo lançamento da campanha de vacinação no Japão, atuou como ministro das Relações Exteriores e da Defesa e é próximo ao atual premiê. Pesquisas apontam que ele é favorito a uma vaga num eventual segundo turno.

Crítico da energia nuclear, Kono quer impulsionar o uso de fontes renováveis e encerrar a geração baseada em combustíveis fósseis o quanto antes. Os reatores nucleares no Japão vêm chegando ao fim de sua vida útil. Nas questões sociais, é a favor do casamento de pessoas do mesmo sexo e de que casais mantenham sobrenomes diferentes, como defendem movimentos feministas japoneses.

Assim como os outros candidatos, acolhe a proposta de Taiwan de integrar o acordo de livre comércio chamado Acordo Compreensivo e Progressivo para Parceria Trans-Pacífica.

Sobre a Covid-19, Kono defende que é o único candidato capaz de avançar na resposta à pandemia, tentando capitalizar sua experiência à frente da campanha de vacinação.

Fumio Kishida, 64

Ex-chanceler e deputado de Hiroshima, era considerado o provável herdeiro de Shinzo Abe, mas ficou em segundo lugar na votação interna pela liderança do partido, em grande parte devido à sua baixa classificação em pesquisas eleitorais. Desta vez, pode chegar a um segundo turno.

Regionalmente, considera uma opção viável a aquisição capacidade bélica para atacar bases inimigas, uma vez que a Coreia do Norte vem aumentando a pressão com seu programa nuclear. Também apoia uma resolução parlamentar para condenar os abusos cometidos pela China contra a minoria uigur em Xinjiang --o que Pequim nega-- e pede que um assessor seja nomeado para monitorar a situação na região.

O candidato vê a energia nuclear no Japão como uma opção importante para garantir um fornecimento estável e acessível, enquanto o país se esforça para alcançar o objetivo de neutralizar as emissões de carbono até 2050.

Para melhorar a resposta à Covid-19, Kishida pede o estabelecimento de uma nova agência governamental para supervisionar a gestão da crise sanitária e apoiar o desenvolvimento nacional de vacinas e medicamentos contra o coronavírus.

Sanae Takaichi, 60

Discípula de Abe e ex-ministra de Assuntos Internos, pertence à ala mais conservadora do partido e já se opôs à permissão para que casais mantenham sobrenomes diferentes.

Promete estabelecer políticas para fazer frente à ameaça tecnológica da China e fortalecer a economia. Defende impulsionar o gasto militar e pede a criação de leis para evitar o vazamento de informações sensíveis para Pequim. Também condena os abusos de direitos humanos cometidos pela potência asiática.

Sobre a polêmica de suas visitas ao santuário Yasukuni, visto pelos críticos como um símbolo do militarismo do passado do Japão, por homenagear 14 líderes condenados como criminosos de guerra, ela cita a liberdade de religião e diz pretender continuar a frequentar o local mesmo se for eleita.

Takaichi propõe ainda, na questão energética, o desenvolvimento de reatores nucleares de pequeno porte como parte de um projeto nacional para auxiliar o Japão a gerar a energia que precisa sem emitir mais gases de efeito estufa.

Seiko Noda, 61

Crítica de Abe e ex-ministra de Assuntos Internos, tentou desafiar o ex-premiê na corrida para a liderança do partido em 2015, mas ficou aquém dos 20 apoios necessários para concorrer. Desta vez, batalhou para alcançar o corte, mas a possibilidade de ser eleita é remota.

Ela tem sido uma defensora consistente da necessidade de o Japão lidar com sua declinante taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população, ao mesmo tempo que defende o empoderamento feminino.

Noda já declarou que metade do seu gabinete ministerial seria feminino, apesar de possuir posturas mais conservadoras em relação aos direitos das mulheres.


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